sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O SEGUNDO MILAGRE DO S. MARTINHO

HISTÓRIA DO POEMA


Quando o grupo de amigos que compõem O GRUPO "OS AMIGOS DA POESIA" organizaram a programação destinada a invocar o 11 de Novembro, "DIA DE S. MARTINHO" eu fui incumbido, em assembleia, de preparar a introdução ao evento. Tratar-se-ia de uma resenha histórica relativamente ao momento coevo do soldado das ostes de Constantino e Licínio, ao ser desmobilizado das fileiras romanas, ir da Itália para França, onde assumiu o papel de um dos primeiros bispos da cristandade, e, claro, a atribuição de um milagre que, ao que parece, foi inventado mais tarde, para dar impacto à nova confissão e ajudar a influenciar o povão para lhe conferir, paulatinamente, uma maior base social de apoio. Isso, claro está, veio a tornar-se progressivamente uma verdade venerada e a integrar-se na história, na lenda e na cultura. O povo, em cada região do Império, acrescentou-lhe, depois, os seus ingredientes culturais, étnicos e antropológicos e começou a prestar-lhe o seu culto. Aqui no sul do país, mormente no Alentejo e Ribatejo, o povo juntou-lhe os meios ao seu alcance - o vinho, a água pé, a aguardente e as castanhas com que passou a enriquecer as libações festivas e a adoçar, nas invocações anuais, a bebedeira dos sentidos.
Ao engendrar, os elementos culturais para fazer a minha introdução, eu, lembrei-me de inventar também o meu milagre do S. Martinho. Porque razão não teria eu também esse direito? Se se têm inventado tantos que mal haveria em inventar mais um? E, avancei com um milagre descrito em verso que agora vou acrescentar ao meu blog, portanto, lá vai verso.

O SEGUNDO MILAGRE DE S. MARTINHO
( Apresentado em Portalegre a 11 de Novembro de 2011)

Vi-me um dia a viajar
por um caminho onde o tempo
e o espaço eram difusos,
num Outono que ainda lembro.
Era difuso o caminho
e era o mês de Novembro
e dia de S. Martinho.

Teve facetas estranhas,
estranhas... e bem confusas...
e outras que já não lembro,
com frialdades tamanhas!...
Frias brisas de Novembro
e peripécias difusas.

Eu rolava serra acima,
às vezes, fora de mão...
Demandei terras de Amaya
onde há história e tradição
e o mistério nos anima
por onde a lenda se espraia.

Viajava na aventura
sem sonhos de fama ou glória,
só pensava na procura
do encontro com a História.

Entretanto, anoiteceu
e perdi-me no caminho,
quando tal aconteceu
vi-me isolado e sozinho.

Logo a bruma me envolveu,
porque a noite me encerrou
em denso manto de breu
que de todo me isolou.
Perdi o centro da estrada
no espesso nevoeiro,
livrei-me por um quase nada
no momento em que me abeiro,
com a visão desfocada,
dum enorme precipício...
Todo o meu corpo tremeu,
o olhar se enevoou
como se fosse enfrentar
juizes do santo ofício.
Para meu azar e suplício,
por má sorte ou por má sina...
cai a roda num buraco
mesmo à beira da ravina.

Óh!... que má sorte madrasta!
Disse eu, de mim para comigo...
Já me basta o que me basta,
de medo, aventura e perigo.
Saí de dentro do carro,
fui para junto de um chaparro
onde procurei abrigo.

Porque o frio chegava a trote
no dorso da fresca aragem,
resquício do vento norte...
eu lembrei-me do capote
que ficara na bagagem.
E, sem ser homem de fé
que mova muitas montanhas
lembrei-me da água pé
mais o calor das castanhas
que me aquecesse as entranhas.

Quase a perder o alento
lembrei-me nesse momento
de invocar o S. Martinho,
e, naquela situação,
eu rendi-me à tradição
das castanhas e do vinho.

Então, vi seis cavaleiros,
trepando sobre barrancos,
com os seus cavalos brancos
que me apareciam fronteiros,
cujos arreios reluzentes
iluminavam a noite!...
Sem ser homem que me afoite
a tirada transcendente
eu perguntei: Quem vem lá?
Pararam à minha frente!...

Foi então que num instante,
numa visão deslumbrante
uma luz iluminou
todo o espaço circundante
e então um deles falou.

Com seus modos imponentes,
vinha de toga vestido
que caía meio dobrada
sobre a cela da montada...
Me disse que era Trajano,
o Imperador Romano,
que nas Espanhas nascido
em Mérida teve morada.
Outro, de ar altivo e sério,
quase de porte divino,
declarou ser Constantino
que repartiu com Licínio
a extensão do seu império,
e reinou no Oriente
com ousadia e critério...
Fez do império em declínio
o seu império imponente...
evitou a confusão,
quase a raiar o abismo,
adotando o Cristianismo
e fez-se chefe cristão.
Para evitar a peleja
concentrou em sua mão
o poder e a gestão
do Império e da Igreja.

Um outro era o nobre Lísias,
terno pai da bela Maia,
que fundou esta cidade,
há muito tempo passado,
um pouco ali mais ao lado,
lá para junto da arraia.

Ao seu lado vinha a filha,
que ainda vive encantada
por montes, serras e vales...
e que espalha a lenda antiga
com seu cavalo de luz
e é mãe desta cidade.

À frente vinha Jesus
com o seu servo Martinho,
soldado de Constantino,
que lutou p'la Cristandade
com a espada e com a cruz,
que escondia sob a capa
a sua infusa de vinho.

Logo me pôs àvontade...
Da capa deu-me metade
e, do vinho... meia infusa...
a mente ficou confusa
mas passou-me a frialdade.

Foi então que, de repente,
senti o corpo mais quente
como um doce verão chegando,
e, vi seis cavaleiros voando
subindo sobre a vertente.
Com intenção de alcançá-los
eu tomei a viatura
com os noventa cavalos
a voar a meia altura
comprimidos no motor
para poder controlá-los.

Cruzando o dorso da serra,
pairamos sobre a cidade...
baixamos de novo à terra
em perfeita liberdade
no largo dos combatentes,
e ficamos mesmo em frente
da Tasca do Zé Bébé,
para bebermos um copinho
de bom vinho e água-pé.

Só depois é que acordei
ainda um pouco estremunhado
deste meu sonho agitado.
Era já um novo dia...
Na rua da Mouraria
estava na cama deitado.

Matos Serra
11 de Novembro de 2011

SUAS GRAÇAS E SEUS SONHOS - SONETO SOBRE AS CRIANÇAS

Dedicado a todas as crianças do mundo ainda sujeitas a um mundo de falcões e predadores.

SUAS GRAÇAS E SEUS SONHOS

Pudera ser poeta para cantar
os olhares e sorrisos das crianças...
Dos meus versos poder fazer brotar
arsenais de alegrias e bonanças.

Ter um subtil engenho e alcançar
mimosas sinfonias e lembranças...
em versos talentosos recordar
suas graças e sonhos - suas 'speranças...

Quisera num soneto comprimir
todo o bem, todo o amor, toda a ternura...
e, carinho, por todas repartir.

P'lo mundo, e num tropel de aventura,
correr, voar... em busca de um porvir
de carinho, de amor e de ventura!...

Matos Serra

SUAS GRAÇAS E SEUS SONHOS - SONETO SOBRE AS CRIANÇAS