quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A MINHA MÃE, UM ANO DEPOIS DA SUA MORTE

Muitas vezes lhe ouvi contar que, quando pequena lhe chamavam a francesinha, porque era muito lourinha e de olhos azuis. Também lhe ouvi contar cenas do seu tempo de rapariga. Tudo isso somado ao mais da sua vida que eu constatei - a sua ternura, a sua tenacidade, a sua luta, a sua doçura e grandeza de alma, tudo isso me trouxe, quando fez um ano da sua morte, uma muito difícil saudade. Como catarse para me ajudar a suportar a imensa dor da sua definitiva ausência eu escrevi, então, de mistura com muitas lágrimas, o poema que se segue:

POEMA E LÁGRIMAS

Tu foste primeiro a criança loura,
a francesinha terna de olhos
azuis e doces que se abriam para a vida!
Uma vida de ternuras por haver!

Depois, foste a rapariguinha
com sonhos carregados de mistério
que não teve tempo de ser menina
nem de sonhar a adolescência!

Depois foste a moça que eu hoje imagino,
recordando o que te ouvia contar,
que dividiste o teu tempo
por alguns sonhos, pelo trabalho árduo
e alguns folguedos e alegrias
inevitáveis dessa idade.

Depois casaste, amaste e sofreste
e pariste-me à pressa num interválo
entre lavar a roupa e cuidar dos meus irmãos,
e nunca tinhas tempo para ti própria.
Criaste-nos como quem vence uma batalha!

Depois começaste a envelhecer
e foste, então, de certo modo... feliz,
e cada ruga que surgia no teu rosto
vincava mais a candura do teu ser.

Há um ano que nos deixaste
com esta saudade que me invade
o ser e repassa a alma...
com esta doce ternura
que doi e aumenta sempre!

Deixo-te, aqui, este poema
misturado com muitas lágrimas
que hão-de ser sempre teimosas
e que hoje não posso conter.

Doce mãe!
Deixo-te, também, mais um abraço,
um abraço virtual e muito apertado,
que nunca o será tanto que corresponda
a quantos tu mereceste
enquanto estiveste connosco
e nos adoçaste a vida!

Adeus, eternamente amada, mãezinha!...

Matos Serra/Poema e Lágrimas

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

POESIA É VIDA ETERNA - SONETO

Cada curva do tempo que eu vivi,
de modo, muitas vezes, controverso,
foi forma que encontrei de estar aqui
deixando sempre um verso e mais um verso.


Brinquei, sofri, amei, chorei e ri,
num modo de viver sempre diverso
e todos os meus versos escrevi
para os lerdes, depois, no meu reverso.


Ao chegar o silêncio tão profundo,
calar a minha voz eternamente,
eu não vou aceitar suas algemas;


vou deixar minha voz cá neste mundo,
não podendo falar pessoalmente...
Irão falar, por mim, os meus poemas!...


Matos Serra

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

A GUERRA COMO OFENSA II

No início da guerra colonial, já depois de termos atuado no Norte de Angola, onde o meu pelotão teve seis mortos, um dos quais foi o próprio comandante de pelotão, o malogrado Alferes Mota da Costa, numa missão de demonstração de força que a nossa companhia foi fazer, num périplo para sul, numa linha oblíqua relativamente à costa, saindo de Luanda, passando pelo Dondo, Quibala, Gabela, até Novo Redondo, em que fomos parando nestas povoações e em alguns quimbos intermédios, entramos na Vila da Gabela na tarde de 19 de Junho de 1961 já com várias centenas de quilómetros percorridos em UNIMOGs no meio de uma nuvem permanente de poeira que nos deixou os olhos em chaga. Nessa primeira fase da guerra, da nossa dotação individual de granadas faziam parte três granadas ofensivas, três defensivas e três de fumos. Tanto as granadas ofensivas como as defensivas tinham uma paleta que era fixa ao corpo da granada através de um cordão que com o andamento ou com a trepidação motivada pelo rolar das viaturas muitas vezes afrouxava motivando o incidente inopinado e deram-se muitos e com muita gravidade; digamos que cada combatente trazia uma armadilha contra si próprio, felizmente que algum tempo depois este material foi substituido e estes incidentes passaram a ser muito raros.
Nessa tarde de 19 de Junho a coluna das viaturas que transportava a 1-ª Companhia de Paraquedistas a que eu e o Ricardo (Joaquim Manuel Raimundo Ricardo), pertencíamos
entrou na Vila que percorreu até ao fim da sua avenida central, depois retrocedeu e as viaturas começaram a deslocar-se paralelamente umas às outras. Foi quando houve uma pequena paragem da coluna em que a viatura que transportava a subunidade de combate que eu comandava ficou lateral àquela em que ia o Ricardo e eu fiquei mesmo em frente dele que o incidente se deu. O Ricardo olhou para mim de uma forma que denotava algo de muito grave, porque se apercebeu que o misto-retardador de um detonador tinha incendiado. O Ricardo depois de ter olhado para mim com muita aflição dobrou-se sobre o porta granadas que cobriu com o seu corpo e, ato contínuo, deu-se a deflagração de todas as granadas elevando muitos metros acima da viatura como que um pequeno cogumelo atómico que desfez o corpo do meu malogrado amigo. Um pedaço maior do seu corpo foi parar a vários metros de distância, um outro pedaço veio bater contra o meu peito e o restante do corpo do meu amigo ficou espalhado por um raio de muitos metros. Eu fui um dos seus companheiros de armas que se empenharam a juntar o que restou do seu corpo. A viatura ficou semi- destruida e à volta dela um estendal de corpos. Dois deles passaram a fazer parte dos milhares de mutilados graves de guerra, uma herança fatídica que coube em sorte a uma parte da juventude portuguesa do século XX, os restantes ficaram feridos com mais ou menos gravidade mas todos se salvaram. Na viatura que transportava a minha subunidade de combate, do lado em que eu e mais quatro combatentes estavamos lateralmente com o Ricardo e a cerca de entre dois e três metros de distância do ponto da deflagração, apenas sofremos a expansão dos gases mas nenhum ficou, sequer, ferido.
Tal deveu-se ao facto de o Ricardo ter decidido, in extremes, abdicar do seu próprio corpo para nos salvar a vida. Pelo que melhor que mais ninguém constatei, o Ricardo é, quanto a mim, um herói de que a sua cidade deve orgulhar-se e guardar memória. No mínimo deveria ter o seu nome ligado a uma rua da cidade.

REQUIEM POR RICARDO

Na abdicação suprema do teu corpo
nos asseguraste a vida
e com tua fulminante
e austera morte
te tornaste inesquecível
e imortal.
Tua dádiva suprema
e teu exemplo
inscreveram o Infinito
em nossos corações.
Lá longe,fraterna e heróica,
tua vida se esvaíu,
mas, aqui, neste padrão,
viverás, eternamente,
nosso e presente.

Proferido pelo teu eternamente
reconhecido amigo Matos Serra
junto ao PADRÃO DOS COMBATENTES
DA TUA CIDADE DE PORTALEGRE.

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

BRINCAR NO PORTUGUÊS

O trabalho despretencioso que se segue é a resposta a um desafio que me foi posto relativamente a uma frase do extraordinário escritor moçambicano Mia Couto "Venho brincar, aqui, no português, a língua". É, portanto, uma forma descomprometida de ensaio de escrita em que, também eu, como sugere a frase em epígrafe, me proponho ir de encontro ao objetivo do Mia Couto, já que também penso que a nossa língua ganha muito ao ser ensaiada, brincada, treinada, alegrada e, das formas que nos seja possível experienciada, ganha ela, língua portuguesa, e ganhamos nós falantes e fruidores dela, também em termos de escrita.
Também eu para "brincar um pouco, aqui, no português, a lingua" recorri ao seguinte artifício:
Escrever um poema, considerá-lo como um campo, uma lavra, e usar as palavras como as sementes ou as plantas, se der mais jeito considerar assim, considerando uma certa agrimensura na distribuição das sementes relativamente à plantação geral. Dividi, por isso, o campo em três setores, ou seja, dividi o poema em três partes, cada parte corresponte à extensão de um soneto clássico, usei as aliterações para dar à linguagem colorido e ritmo, naturalmente, respeitando a medida do verso e as acentuações para lhe conferir musicalidade e alegria. Para brincar um pouco mais, em cada uma das partes que corresponde à extenção e ao aspeto formal do soneto, variei a medida do verso, assim, no primeiro usei o verso, heróico, no segundo, o sáfico e no terceiro o alexandrino. Como compus o trabalho de uma assentada, consegui, sem grande dificuldade, manter o ritmo e o colorido da linguagem até ao final da segunda parte, quero dizer, do segundo soneto, mas tive dificuldade em manter a fluência a partir do início da terceira parte, facto a que dou expressão na própria linguagem que aí utilizo.
Foi uma tentativa, à minha maneira, de brincar um pouco no português. Foi o que se conseguiu arranjar e, portanto, aí vai verso:

TÍTULO: BRINCAR NO PORTUGUÊS

PRIMEIRA PARTE - EM DECASSÍLABOS OU HERÓICOS

Gosto de aliterar os meus poemas,
"as lavras, de palavras semeadas",
nas estâncias com distâncias programadas,
não põr traves, entraves ou dilemas;


Nos versos pôr diversos emblemas
e cores, que sejam flores quando cantadas,
as falas às escalas atreladas,
sem correntes, grilhetas ou algemas.


Pôr na palavra um chiste se estou triste,
num verso que não seja controverso
pôr saborosa prosa e fluidez...

Que humor com graça em riste é que resiste,
fazer caminho inverso sobre o verso,
brincar de quando em vez... no português.

SEGUNDA PARTE, EM SÁFICOS OU HENDECASSÍLABOS

Vou p'lo curso do percurso do discurso,
que lendo estetas, prosaicos e poetas
é que descubro as cadências mais concretas,
"busco imagens ou passagens de recurso";

Treino as frases mais capazes no decurso,
querendo aferir para atingir as minhas metas
com palavras mais concisas e corretas,
e, a brincar, treino as fases do percurso.

A pensar, dizer, escrever ou a compôr...
vou pintando o português em tom e cor,
musicando a bela língua de Camões...

Meus poemas são esquemas de linguagem,
são propícios exercícios de abordagem
com diversas, controversas, emoções.

TERCEIRA PARTE, EM ALEXANDRINOS OU DODECASSÍLABOS

Já só garanto o desencanto do meu canto,
porque, entretanto, no meu canto estou tolhido,
a minha alegre e bela musa que era um espanto
eu não sei se soçobrou ou terá ido.

Já tenho em coma o cromossoma do ouvido,
em vez de humor veio o estupor do desencanto...
se um incidente imprevidente houver sofrido
esta alegria anda escondida em triste manto.

Quando quiser... deixá-la vir, não tenho pressa,
porque eu já vi que ela anda assim um tanto ou quanto
meio arredia da poesia e do trabalho...

Só vos garanto por enquanto uma promessa:
meto esta musa tão confusa num recanto"
para brincar no português - e já não falho!...


Matos Serra em
ensaios de linguagem.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O FADO - PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE

QUINTO POEMA
TÍTULO: INVOCANDO AMÁLIA

Numa guitarra peguei
só para cantar o fado,
não pude cantar, chorei,
por me lembrar do passado.

Quando a Amália morreu,
chorou todo o meu país,
que nesse dia perdeu
a melhor embaixatriz.
Em cada beco ou viela
ouvi chorar toda a Grei,
para me despedir dela
numa guitarra peguei.

A Cultura Portuguesa
que ela ao mundo nos abriu,
chorou de dor e tristeza
no dia em que ela partiu.
Foi um desgosto profundo
neste país contristado,
que ela andou por todo o mundo
só para cantar o fado.

A alma de Portugal
ia naquele caixão,
neste seu ato final
fez chorar toda a nação.
Eu, recolhi-me e a sós
à guitarra me agarrei,
embargou-se a minha voz
não pude cantar, chorei.

Voz do fado, comovida,
que terminou o seu canto...
na hora da despedida
a tristeza fez-se pranto.
Mas... ainda nos encanta
o seu registo gravado,
morre-me a voz na garganta
por me lembrar do passado.

Matos Serra

O FADO - PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE

QUARTO POEMA
TÍTULO: TOADA FADISTA

Numa guitarra peguei
só para cantar o fado,
não pude cantar, chorei,
por me lembrar do passado.

Curtindo a canção bizarra
que me seduz e conquista,
do estro soltei amarra,
fiz-me poeta e fadista.
Eu, que às vezes, sou canhestro
por não ter regra nem lei,
abri as portas ao estro,
numa guitarra peguei.

Se é o fado que me chama
fico feliz e contente,
venho p'rás ruas de Alfama
para encontrar ambiente.
Quando me sinto inspirado,
quando o estro me domina...
venho à taberna da esquina
só para cantar o fado.

Sempre no fado busquei
alívio para o meu pranto,
porque nele é que encontrei
um conforto quando canto.
Uma noite... não me deitei,
estava triste e magoado...
fui p'rá taberna do lado
não pude cantar chorei.

Se ando triste e deprimido,
se a dor me tolhe ou agarra...
já me tem acontecido
pedir ajuda à guitarra.
Eu, que tenho procurado
dar à vida algum sentido,
fico sempre comovido
por me lembrar do passado.

Matos Serra

O FADO PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE TERCEIRO POEMA

TÍTULO: EM CERTA NOITE DE FARRA

O MESMO MOTE

Numa guitarra peguei
só para cantar o fado;
não pude cantar, chorei,
por me lembrar do passado.

O fado é triste lamento
que na nossa alma existe,
já muitas vezes cantei
p'ra soltar o sentimento...
Quantas vezes... estando triste,
numa guitarra peguei.

Não sei se o fado atenua,
engrandece ou persuade
nostalgias do passado...
Se a tristeza se acentua
apelo à dor e à saudade
só para cantar o fado.

Em certa noite de farra,
mas, também, de nostalgia,
a minha alma soltei,
agarrei-me a uma guitarra,
fiz apelo à poesia,
não pude cantar, chorei.

Que é feio um homem chorar
é um resquício de prosas
que já está ultrapassado.
Às vezes... deixo soltar
muitas lágrimas teimosas
por me lembrar do passado.

Matos Serra

O FADO - PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE

SEGUNDO POEMA
TÍTULO: FADO PATRIMÓNIO MUNDIAL

O fado será um dia
património mundial,
cultura, sonho e poesia
de uma alma universal.
Irá no tempo e no espaço
por esse mundo, em geral,
ser a voz e o abraço
muito terno e fraternal.
Paira no ar a proposta
pela qual eu lutarei,
ao ouvi-la, por resposta,
numa guitarra peguei.

Que bom seria se o mundo
assumisse esta matriz,
que este cantar tão profundo
tem na saudade a raiz.
Canto, pranto ou sentimento
que veio de várias paragens
depois do renascimento
pelas nossas marinhagens.
Já viram? Que bom seria?
Sem guerras... unificado...
o mundo tivesse um dia
só para cantar o fado.

E não me levem a mal
dizer que o fado em verdade
é cantar transnacional
de amor, pranto e saudade.
Canção que fado se chama,
dolente, triste e fagueira,
com raízes em Alfama
trazidas da Terra Inteira.
África, Índia, Brasil...
em terras que visitei
encontrei o seu perfil,
não pude cantar, chorei.

Nas caravelas do Gama
se transportaram raízes
que depois foram matrizes
desta Alma Lusitana.
Bairro Alto ou Madragoa,
Graça, Pina ou S. Vicente...
desabafos em Lisboa
trazidos do Oriente.
P'la universalidade
que eu no fado procurei
senti a fraternidade
não pude cantar, chorei.

Matos Serra

O FADO - UM PATRIMÓNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE

Os cinco poemas que se seguem são dedicados ao fado e são uma forma de eu estar solidário com a proposta da sua candidatura a património imaterial e cultural da Humanidade. Organizei esta sequência de versos sobre este tema, tão mobilizador da atual atenção dos portugueses, até por uma questão de nos manter, de algum modo, um pouco do nosso astral menos deprimido pelos problemas da crise que nos afeta na hora presente. Organizei o processo criativo à volta de um mote, que é uma quadrado nosso cancioneiro oral e popular. São poemas simples, um deles pretende ser uma invocação da nossa grande fadista, Amália Rodrigues, e já mereceu nuns jogos florais, um prémio de poesia.

MOTE
Numa guitarra peguei
Só para cantar o fado
Não pude cantar, chorei
Por me lembrar do passado

PRIMEIRO POEMA
TÍTULO: A PROCURA DAS ORIGENS

Quis saber do nascimento
fui procurar as raizes
do lugar e do momento
sondei tempos e países.
Fui às cantigas de amigo
e ao Golfo da Biscaia,
à cantiga da garvaia
e às ondas do mar de Vigo.
Nas cantigas provençais
nosso fado procurei,
ouvi aedos, jograis...
Numa guitarra peguei

Fui aos versos de Camões
e às cantigas de amor
e li as composições
do poeta lavrador
que foi rei de Portugal.
Até os amores de Inês
visitei mais de uma vez...
Para constatar afinal
onde em algum manuscrito
estivesse codificado;
pus-me em campo, num conflito,
Só para cantar o fado.

Fiz viagens muitas mil
por savanas e sertões:
Índia, África, Brasil...
à procura de canções.
Visitei terras de Angola,
não faltou lugar nenhum,
ouvi versos em lundum
com batuques e viola.
A sentimentalidade
portuguesa investiguei,
muitas vezes com saudade
Não pude cantar, chorei.

Fui aos lugares mais adversos,
a docas, becos e portos,
rebusquei prosas e versos,
escritores, poetas mortos...
Li escritos de viagens,
aventuras e conquistas
donde surgiram fadistas
nos tempos das marinhagens.
Ao ler, no grande Reis Pereira, (A)
o livro que é um tratado,
chorei, à minha maneira
Por me lembrar do passado.

(A) José Maria dos Reis Pereira de Pseudónimo "JOSÉ RÉGIO.

Matos Serra

terça-feira, 22 de novembro de 2011

AGORA VOLTO AO TEMA DO AMOR

O poema que vou transcrever compu-lo há cinquenta anos, no início da minha primeira comissão na guerra colonial para enviar numa carta, à minha namorada de então, e que, continuando a ser a namorada é também, desde há quarenta e seis anos a esposa e avó dos meus netos.
Na altura em que escrevi este poema, num postal figurando aves voando por entre nuvens, e que devia enviar juntamente com uma carta, eu tinha regressado de uma missão de dois meses de combates muito duros no Norte de Angola, e estava descansando uns dias na cidade de Luanda.
Andava lendo um livro, O HOMEM ESSE DESCONHECIDO do Alexis Carrel; antes de escrever a carta, como já tinha escrito o poema guardei-o, entretanto, no livro, não sei porque razão foi ele parar entre a lombada e a capa de proteção... Quando escrevi a carta e quis encontrá-lo para o enviar junto, não mais o encontrei, escrevi, depois outro poema que enviei. Este só foi encontrado quarenta anos mais tarde, quando, na minha quinta de Cabeço de Vide voltei, de novo, à leitura do belo livro de Carrel.
Esta é a história do poema que, como disse, tinha escrito num postal figurando aves e, por isso o intitulei PENAS (no sentido de saudades, essas saudades sentidas no tempo da guerra e que, vieram a ser motivo de muita criação poética)

PENAS

Estas aves passam breves
por entre nuvens suaves,
as suas penas são leves,
as minhas... são penas graves.

Lá vão, como etéreas naves,
cheias de beleza e cor;
as suas? São penas d'aves;
as minhas? Penas de amor.

Que não são penas pequenas...
mas... não servem p'ra voar.
Que pena... Que as minhas penas
não me dão p'ra regressar!...

Se eu grandes penas tivesse
para voar pelo céu fora
não sofria, ó se eu pudesse
estar contigo a toda a hora!...

Mas... minhas penas não dão
para voar em liberdade,
porque as minhas penas são...
penas de amor e saudade!...


Matos Serra in
poemas do tempo de guerra

A CRISE ORÇAMENTAL

Se todo o produto nacional
não fosse só de meio dúzia de senhores
e fosse com mais critério repartido...
E o trabalho também fosse, por igual,
com justiça, com razão e com moral,
igualmente por todos assumido,
com critérios justos, verdadeiros...
Nem precisaríamos mais dos financeiros
PARA RESOLVER A CRISE ORÇAMENTAL.

Se, aos grandes senhores de alto estatuto,
de altas mordomias e brasões,
que rapam do taxo os últimos tostões
e nos degradam o produto interno bruto
em chorudas alcavalas de milhões
fosse bem aplicado um forte chuto...
Isto é, se se lhes desse de forma consciente
um pontapé puxado e bem assente
na parte mais larga dos calções,
ou seja, a boa biqueirada no traseiro,
para que não enganassem mais a gente
sustentando os trafulhas no poleiro...
Isso seria um bem para o erário de Portugal...
E, também, para resolver a CRISE ORÇAMENTAL.

Se, como fez, um grande português,
que além de ministro era marquês,
com alguns coevos safardanas,
a fingir de santinhos ou socráticos santanas...
Ou como fez o Bom Jesús de Nazaré
defendendo os seus princípios e razões
ao expulsar do Templo os vendilhões...
Ó, se houvesse entre nós um Cristo igual...
Com seus altos critérios sãos e justos,
resolvia sem polémicas e sem custos
O PROBLEMA DA CRISE ORÇAMENTAL.


Matos Serra

domingo, 20 de novembro de 2011

DEMOCRACIA

Uma vertente da minha poesia, porque a considero bastante necessária como motivadora da consciência nacional mobilizadora dos fatores subjetivos do sentimento da cidadania, insprescindível ao fortalecimento e melhoramento duma ética social rumo ao futuro, é a vertente político-social. Nessa perspetiva se integram alguns poemas que vou passar a incluir, também, no meu blog.

PRIMEIRO POEMA:
DEMOCRACIA

Quando a coerência e a razão
puserem laivos de amor
em cada coração,
nesse dia...
será dia de mudança,
o sol voltará a iluminar a esperança
e haverá de novo
flores na rua e risos de criança,
paz e harmonia.

Quando a justiça,
enfim, tiver vencido,
e o amor for um dado adquirido,
houver solidariedade
sem embuste, e com verdade...
e for a voz dos justos libertada,
reataremos a obra começada
num Abril mais florido!...

E ouviremos a música prometida...
a bandeira do amor será erguida
e desfraldada,
a hipocrisia voltará ao seu redil,
e... ver-se-á envergonhada
de tanto embuste e tanto ardil
e será de novo Abril
com cravos muitos mil
na Pátria libertada!...

Quando houver um esforço nacional
(por todos assumido, e, conjugado,
e o resultado desse esforço crucial,
que deve ser por todos dispendido,
seja a todos, justamente, compensado,
para que seja o trabalho motivado...)
para atingir-se o resultado pretendido...

E, quando, já não houver em cada empresa,
o saque abusivo da riqueza,
por parte de alguns boys e de doutores
que compraram canudo ou sem canudo...
levando um quinhão muito chorudo
em vencimentos dourados, tentadores...
e que, na sua qualidade de gestores,
invocando a alta competência...
colocam a riqueza em offshores
e quem trabalha a viver na indigência...

Quando o povo acordar da letargia,
despertar o bovino adormecido...
como disseram o Eça e o Ramalho
referindo-se às forças do trabalho...
irá querer mudar o dia-a-dia,
exigir explicações e ser ouvido.

E, então, ao acordar dessa apatia,
da distração do futebol e da igreja...
para exigir outros princípios e valores,
com outra consciência e energia...
talvez, então, enfim, a gente veja
chegarem dias mais animadores.

Quando isso tiver acontecido,
se tiver varrido o nepotismo,
o compadrio, o amiguismo, a corrupção...
que assola a sociedade portuguesa,
afastado o grande coio de parasitas,
tomada outra atitude e outra ação...
este País rumará noutro sentido,
afastar-se-á da beira do abismo,
será mais forte a consciência da Nação
e haverá, então, um país em que acreditas!...

Quando a violência sobre os fracos for banida,
a justiça em bandeira for içada...
para que a voz dos justos seja ouvida...
e não seja dos fracos a razão acorrentada
e a ação dos ladrões for sancionada
para que seja comedida, e... controlada...
dos barões a gula desmedida...
a justiça reinará,
e... nesse dia... diremos que haverá...
enfim... DEMOCRACIA!...

Matos Serra

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

PARA LÁ DO BEM E DO MAL

TRATAMENTO DO ADÁGIO - "POR BEM FAZER; MAL HAVER"
Os poemas que se seguem são formas pessoais de eu intrepertar e tratar, criticamente, o adágio popular "POR BEM FAZER, MAL HAVER"
Realmente se repararmos bem, com os olhos da moral, que deve ser despretenciosa, verificamos que há nele como que um lamento pelas consequências de se ter feito o bem e, eventualmente não se receber a boa paga que se esperava; é ter-se o sentimento de que se fez um mau negócio com esse investimento a partir do qual se esperava uma boa contrapartida. Ó meus bem feitores por investimento! Tenham lá santa paciência... O bem, para ser o absoluto bem, não pode ser a perspetiva de um bom negócio com o Criador, mas, sim, uma dádiva despretenciosa e livre.
Por isso aí vão os meus dois poemas.

Primeiro Poema
Título: PARA LÁ DO BEM E DO MAL

Eis, aqui, uma questão
mais moral do que estética...
desafia a própria ética
tendo em vista a solução.
Aos domínios da razão
faz apelo, toda ela...
não sei como resolvê-la,
requer profunda atenção.

Profundamente moral,
para lá do bem ou do mal
a que faz invocação.
Ora vejamos então...
A frase que se apresenta
para nossa investigação
já não vem de todo isenta...
De uma leitura profunda
salta a lógica rotunda
que o seu autor se lamenta,
e... lamento não é isento...
e, não tem a ver com lógica...
Quando entra o sentimento
vai-se a racionalidade...
é a via axiológica
que nos dá a condição
para chegarmos à verdade.

POR BEM FAZER, MAL HAVER...
isso pode acontecer...
mas... não terá nada a ver
com a própria força do bem,
esse vai permanecer
para lá de ter ou não ter
compensação ou desdém.

Para alem de se viver
sem fazer mal a ninguém,
lutemos p'lo bem fazer
porque, isso, é fundamental
ao Homem enquanto tal,
compete ao Homem deter
a atitude moral
que conduza ao bem geral
para lá do ter ou do ser.

Por isso... é imperativo
categórico, Kantiano...
ter-se um justo objetivo
sempre Humano... Mais Humano.
Assim, não colheria sufrágio
esta expressão ou adágio
e, iria desaparecer.
Há, contudo, a não esquecer
que, se ingratidão e egoismo
se continuarem a manter
como forte catecismo...
continuaremos a ter
para lá de toda a razão
a força deste rifão:
POR BEM FAZER, MAL HAVER!.....



SEGUNDO POEMA
TÍTULO: QUEM FAZ BEM, NÂO OLHA A QUEM

Quem faz bem, não olha a quem
nem pensa em contrapartida,
só assim pode ser bem.
E, se o bem fizer, alguém...
para que o bem em seguida
se salde em belo provento,
não é bondoso, é astuto...
e, esse bem só a contento
não é o Bem absoluto;
nem, tão pouco, é bem geral...
é menos bem do que é mal
que moral não é produto...
mercantilismo moral
é regra para mau estatuto...

"Quem faz bem, não olha a quem"
e deixa rolar a vida
mais em função do bem querer
do que em ter contrapartida.
Se, é certo, que é muito justo
bem haver por bem fazer...
Fazer bem tem o seu custo,
e eu, cá por mim, não me assusto
"Por bem fazer, mal haver"!....

Matos Serra

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

AINDA O TRATAMENTO DO ADÁGIO POPULAR: BURRO MORTO, CEVADA AO RABO

TERCEIRO POEMA DO BURRO
TÍTULO: A ALMA DO BURRO

A história deste gerico
é uma história engraçada,
porque deram ao burrico
além de muito atrasada,
a ração p'la porta errada.

E, disse o pobre jumento...
disse... ou parece que o disse...
ou foi a alma do burro?...
assim como num lamento,
mais pela humana burrice
daquele dono casmurro
que no derradeiro momento
lhe queria dar o sustento?

E, como que num sussurro...
ouviu-se a alma do burro
e ninguém o contradisse.
Disse-o no ato final,
para revelar a moral
e contestar a patetice.

A moral daqui tirada
de forma muito precisa,
é muito clara e concisa
e por demais revelada:
A falta de decisão
numa ação que é programada
e não tiver conclusão...
ou uma ação atrasada...
Pode ser 'ma burricada
que já não tem correção!.....

Matos Serra, escreveu esta trilogia do burro em Novembro de 2003 e,
os três poemas foram premiados com um 1-º Prémio, um 2-º Prémio e
uma menção honrosa.

TRATAMENTO DO ADÁGIO POPULAR: BURRO MORTO, CEVADA AO RABO

OS TRÊS POEMAS QUE SE SEGUEM TRATAM DE FORMA BEM HUMORADA O ADÁGIO REFERIDO, SEM ESQUECER, NATURALMENTE, A MORALIDADE QUE O ADÁGIO ENCERRA, QUE É A CRÍTICA ÀQUELES QUE POR DEMORAREM MUITO A PASSAR DA PREMEDITAÇÃO À AÇÃO PERDEM, PERDEM, POR ISSO, A OPORTUNIDADE DE ATINGIR, ATEMPADAMENTE, OS SEUS OBJETIVOS.

PRIMEIRO POEMA: SENTIDO FIGURADO

Neste tão velho ditado,
o rabo que vem descrito
tem sentido figurado;
ele é, ao fim e ao cabo,
'ma outra forma de rabo...
não o própriamente dito.
Dito não literalmente...
não é cauda propriamente,
mas algo mais redondito;
aquela forma inocente,
que é, afinal, somente,
'ma espécie de buraquito,
que fica localizado
no ponto mais recuado
da 'strutura do burrito.

Dar de rabo na moral,
não sou eu a fazer tal...
por isso, devo dizer:
o que houver para fazer
não se guarde p'ró final
quando a pena já não vale.

Dizia certo poeta,
de forma muito concreta,
muito concreta e serena...
para se atingir a meta
tudo vale sempre a pena,
se a alma não é pequena.

Mas... eu, nem sou da poesia...
nem de grande pensamento...
nem me tenta a fantasia
de ir fazer filosofia
sobre o rabo de um jumento...
que, para além de figurado,
é um burro já finado,
e, por esse passamento,
eu só não choro e lamento
por ser um burro inventado.

Matos Serra, Novembro de 2003

SEGUNDO POEMA: UMA CEVADA PERDIDA

O burro, nunca foi burro...
neste rifão ou ditado,
o dono, é que foi casmurro,
por não ter tido cuidado.
A moral, que aqui, vale,
nisto o adágio é perfeito
e atinge razão plena...
o esforço é fundamental,
mas sempre deve ser feito
quando ainda vale a pena
e a perspetiva é real.

A ação, como a ração,
não deve ser descuidada
e deve ser colocada
com cuidado e prontidão
na forma que lhe é devida,
sempre à porta da entrada
não à porta da saída...
e neste caso, a cevada,
traduz ação atrasada,
é uma cevada perdida
e foi desaproveitada
por ter sido colocada
a uma porta já fechada
e, além do mais, proibida.

A moral daqui tirada,
eu digo ao rever a cena
que a ação não vale a pena
se estiver ultrapassada,
e, daqui deduzo a razão,
porque ao fim e ao cabo
se inventou este rifão:
BURRO MORTO, CEVADA AO RABO!...

Matos Serra, Novembro de 2003

BRISAS TRANSTAGANAS

A minha primeira infância foi passada no campo, neste chão do Alentejo ao norte, quero dizer, a plen-planície alto-alentejana, onde as brisas prepassam pela extensão da paisagem, soprando, em geral com suavidade,originando um movimento de ondulação sobre a superfície dos trigais, deixando, ao mesmo tempo, um sentimento de tranquilidade e uma musicalidade calma e repousante.
Ainda hoje sinto invadir-me a alma e transportar-me para os mares do sonho a recordação desses momentos mágicos vividos nessa comunhão plena com a natureza - a recordação dessa música das breves brisas da minha infância.
Por esse motivo tentei compôr um poema estruturado com base na nossa poética tradicional, do género daquela que eu ouvia aos antigos pastores convidados pelos meus pais nos serões de província à lareira do velho monte da minha infância perdida.
Para além de recorrer à nossa poética tradicional, tão genuína e fluente, assente nos artifícios da redondilha, fiz uso das aliterações com os sons das líquidas, das fricativas e das sibilantes que me trouxessem as sensações musicais das brisas da minha meninice e me envolvessem na terna frescura desses meus tempos passados.
Não tenho a certeza de ter conseguido alcançar os meus objetivos, mas lá que me senti transportado nas asas do tempo como se tivesse embarcado nas asas do vento, isso... eu não posso negar.
Então aí vai - é um poema com mote desenvolvido em estâncias de dez versos (Décimas tradicionais alentejanas)

MOTE
Belas... brandas brisas breves,
soprando soltas, serenas,
passam suaves e leves,
levam mágoas, lavam penas.

Alentejo! És passaporte
para recantos de encantos,
que me inspiras cantos, tantos!
Caro amparo, meu suporte
que tens forte vento norte,
mas... raramente te atreves
às mais leves frias neves!
São alentos os teus ventos,
bentos esses sopros lentos...
belas, brandas brisas breves!

Rutilantes, refulgentes...
teus montes... fontes de calma
que refrescam nossa alma
com brisas, lisas, fluentes...
Vão contentes e frementes
pequenas frentes amenas!
Melodiosas avenas
são como notas divinas...
sulcam leves as campinas
soprando soltas, serenas...

Branduras de breves brisas
tangendo o fio de teus rios
que se evolam nos estios
inconcisas, imprecisas...
suaves, soltas e lisas.
Notas leves, semi-breves
que tu 'screves e descreves
nas fontes, pontes ou ruas,
como silentes faluas
passam suaves e leves!

Frescuras de brisas puras
circulam nas tuas praças
e nas traças em que enlaças
tantas graças e ternuras...
São doçuras das planuras
cenas de amenas verbenas
em noites plenas...Pequenas
para tanta graça e poesia...
revoadas de alegria
levam mágoas, lavam penas!.....


Matos Serra

SENSAÇÕES DE TEMPO E DE ESPAÇO

Quando se esvai a tarde rotineira,
os silêncios nos tocam de mansinho,
cada bulir de folha é um caminho
para ser duma ideia a mensageira.


Como terno sabor dum fresco vinho,
quando a brisa nos põe a mão fagueira
é como uma ancestral tecedeira
que tece os seus lavores em fofo arminho.


Nos dias de calor, quando o sol arde,
há timbales na alma, quando a tarde
já acalma o calor do sol ardente...


E, quando se aproxima o fim do dia,
traz algo de mistério ou fantasia
com a rubra magia do poente.

Matos Serra

O CARRO DE APOLO OU O CICLO DIURNO DO TEMPO

MODALIDADE: SONETO
O soneto que se segue tem um tema obrigatório que me foi dado e em função do qual organizei o processo criativo. "RUBRA MAGIA DOS POENTES"


Conduz, Apolo, o carro até à margem,
percorre a sua curva descendente,
ali, Breu, toma o carro e segue em frente
depois que o Rei dos Astros faz paragem.


É, agora, de Breu esta viagem
ao extinguir-se a cor no céu luzente;
já se aproxima Vénus mansamente
e já se vê d'Aurora a fresca imagem.

Deus Cronos que preside à aventura
que Ele comandará eternamente,
já, ali, definiu todas as metas;

e, neste eterno ciclo que predura,
vai manter a magia do poente
p'ra despertar o estro dos poetas.

Matos Serra

QUEM CANTA, SEU MAL ESPANTA

OS TRÊS POEMAS QUE SE SEGUEM SÃO TRÊS FORMAS DE ABORDAGEM SOBRE
O ADÁGIO POPULAR " QUEM CANTA, SEU MAL ESPANTA"

1-º POEMA COM O ASPETO FORMAL - SONETO
TÍTULO: COM CANTIGAS E POEMAS

Adoça a tua vida com cantigas
e com gestos ligeiros e triviais;
Repara na ternura das espigas
e na cor das papoilas dos trigais.

Escuta as ternas notas ancestrais
a fazerem lembrar lendas antigas,
...a chuva traz momentos ideais
e combate os esforços e fadigas.

Dá vida à doçura dos poemas
e dos timbres espontâneos, naturais...
faz de cada momento um tempo novo...

Dilui as amarguras e dilemas,
musica se puderes os próprios ais...
Quem canta, o mal espanta, diz o povo!

Matos Serra

2-º POEMA : O CANTO DAS BARRIGAS

Se o cantar matasse a fome,
que é um mal vulgarizado
neste nosso dia-a-dia...
com o mal que nos consome
este nosso Portugal
já se tinha transformado
no palco da cantoria.
Pode bem ser, por sinal,
que neste quadro atual,
com barrigas a dar horas,
para espantarmos o mal
nos tornemos tal e qual
um bando de aves canoras.

Com a Troika a orientar
nós vamos cantar à rica
para ouvirmos a tripa
noite e dia a solfejar.
Como canção de embalar
que trará letras antigas,
árias velhas e cantigas.
E, poderemos esperar
não bom vinho, pão ou queijo,
não faltará é solfejo
da fome, pelas barrigas.

"QUEM CANTA, SEU MAL ESPANTA"
vai ser grande a cantoria
hora a hora, dia a dia,
porque a fome vai ser tanta
que a nossa pobre garganta
vai estoirar da melodia.
Por isso, o que já se augura
se a fome der em fartura,
em excesso, que, entretanto,
tornará o canto em pranto
e morreremos da cura.

Não esqueçamos o adágio
que vai ser remédio santo,
por mim, estou a fazer estágio
por já sentir um presságio:
a fome tornar-se canto.
Mas também tenho presente,
vou deixar que o tempo corra
para constatar certamente
que, mesmo que à fome morra
o povo como indigente
veremos naturalmente
uma pandilha indecente
a cantar à tripa forra!....

Matos Serra

3-º POEMA: QUANDO A VERDADE NOS MENTE

Quem canta, às vezes, coitado...
a fingir que anda contente,
sentindo-se contristado...
finge mal o que não sente,
com a verdade nos mente
tendo a tristeza presente
no cantar desafinado.

Nessa linguagem que canta
vemos a alma que chora.
A alma trai a garganta,
porque vemos, muito embora
na voz que a verdade espanta
a fingir de ave canora,
a alma que se quebranta.

"Quem canta, seu mal espanta"
até pode ser verdade...
mas, quando a tristeza é tanta
o cantar não persuade...
creio, até, que desencanta
essa tristeza que invade
a quem ouve e a quem canta.


Matos Serra

domingo, 13 de novembro de 2011

COMO EVA NO PARAÍSO

SENSUALIDADE, QUASE EROTISMO
SONETO A UMA MULHER BELA


Essa mulher é fogo, um sol ardente,
num rosto de rainha da beleza
uns lábios a lembrarem framboesa
deixam meu coração incandescente.


Sua voz é um som da natureza
com eco mavioso e estridente,
um timbre que se solta alegremente
para espalhar o tédio e a tristeza.


Seu corpo de sereia me enlouquece,
de vê-la a loucura se acentua,
se passa junto a mim? Perco o juizo...

É como um terno sol que me aquece,
em sonhos fico a vê-la toda nua,
assim... como Eva andou no Paraíso.


Matos Serra

FRAMBOESA

SONETO EM HONRA DE EROS

Seus lábios a lembrarem framboesa,
nos cabêlos, a cor loura do trigo,
num rosto nunca vi tanta beleza...
Meu Deus! Quero esquecê-la não consigo.

Sua voz é um som da natureza,
eco de fresca aragem, vento amigo,
a lembrar-me palácios de princesa
aonde eu procurar porto de abrigo.


Se ela passa uma aura se desprende,
se ela fica uma aura se acentua,
se quer ir... que ela fique se pretende,

porque, assim, a tristeza se atenua.
Qual é o coração que não se rende?
Se ela é tão bela assim... Que será nua?..........



Matos Serra

TERNO LAÇO

"DEDICADO A UMA MULHER PEQUENA, MORENA E LINDA"
entre duas mulheres que seguiam na rua, num momento da minha vida,
eu me apaixonei por uma delas e lhe entreguei o meu coração.



Lá vem aquela lesta, loura e linda,
ela vem linda e lesta, bela e loura...
É tão linda... e vem lesta na berlinda,
bem vinda, por ser linda e sedutora.


É porque ela é tão linda e lesta ainda
é que ela segue, assim, dominadora...
No traço do seu passo em que se alinda
projeta a energia desta hora!...


E, a seguir o traço do seu passo
vem outra, que é não loura e que é pequena...
no traço do seu passo me embaraço...


Pequena... mas é linda e é morena,
vem como um terno laço a que me abraço,
como Cristo abraçou a Madalena!...

Matos Serra

APETITE

SONETO DE AMOR E SENSUALIDADE
EM HONRA DE EROS

Tão bela e natural como um fruto,
exala um aroma de maçã,
com o seu ar liberto e resoluto
é como um raio de sol na manhã;


sua voz, violino, que eu escuto,
como a nota mais livre, solta e sã...
Óh... se eu pudesse entrar no seu reduto
tornava a sua alma minha irmã!...

Deusa Circe com ombros de Sereia!
Anjo, Joana D'Arc ou Afrodite,
Lucrécia, Catarina ou Dulcineia...

Imagem com perfil de Anfitrite
num secreto mistério de Medeia...
Meu Deus!... Não é um fruto... é apetite!...


Matos Serra

TÍTULO: SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

SONETO DE AMOR E SENSUALIDADE
ERÓTICO MAS NÃO TROPO

Sai das ondas num barco de cristal,
vem timonando sobre as águas, nua!
Aporta à praia e junto ao areal,
qual deusa dos mares, que se insinua...

voga esbelta, divina e irreal,
numa concha dourada que flutua...
É uma Circe loura e sensual,
suave, alvinitente como a lua!...


O seio desnudo, túmido, fremente...
agita o meu sonho e o meu fervor,
vogamos em delírio pelos espaços!...


Que este sonho durasse eternamente...
que, assim... prendê-la-ia por amor,
indefinidamente nos meus braços!...


Matos Serra

A FUGA DO CARACOL

O poema que se segue tem a ver com o aproveitamento de um mote que é uma quadra do cancioneiro oral da poesia popular alentejana em que me propus, como é peculiar da nossa genuína cultura, brincar um pouco com as nossas situações, até mesmo com as malidecências que aqueles que não conhecem a nossa cultura ou a menosprezam, costumam utilizar para brincarem com o nosso Brinco, desejando a esses que ele lhe faça bom proveito.
Aí vai a quadra e as estâncias de doze versos a glosarem-na. Riam um pouco e va qua provete.

MOTE
Eu venho lá não sei d'onde
à cata não sei de quem,
brado, ninguém me responde,
olho, não vejo ninguém.

Perseguindo um caracol,
na planura alentejana,
que me fugiu ao controle
há cerca de uma semana.
Na esteira do bichinho
que se esgueira pelo pasto,
na lonjura do caminho,
às vezes, perco-lhe o rasto.
É veloz, esse magano...
que, ora foge, ora se esconde,
no meu passo alentejano
eu venho lá não sei d'onde.

Estou a chegar alquebrado,
pelo esforço da passada,
a perseguir o malvado
que me fugiu da manada.
Ando a pastar caracois,
uma vida afadigada...
como me fugiram dois
eu segui-lhe a peugada.
Só sei que se algo não muda
isto, assim, não me convem,
tenho que pedir ajuda
à cata não sei de quem.

Apanhei um fugitivo,
mas tive que me esforçar...
por este mesmo motivo
foi preciso descansar.
A soneca terminou,
fui perseguir o segundo,
que, entretanto, se esgueirou
tão lesto como um bailundo. (A)
O rebanho tresmalhado,
para que ele se arredonde
preciso ser ajudado
brado, ninguem me responde.

Vou dormir outra soneca,
só depois vou procurá-lo,
que, ele, é levado da breca
e corre como um cavalo.
Para seguir na minha ação
preciso de algum alento...
e vou descansar, se não...
'inda tenho um esgotamento.
Alquebrado e aturdido
não consigo ir mais além,
preciso ser socorrido...
olho, não vejo ninguem.

(A) Bailundo - indididuo pertencente a um povo com essa mesma designação
que habita o planalto de Benguela/Bié em Angola. Este povo de pastores do
planalto são grandes andarilhos, que percorrem, lestos, grandes distâncias,
habituados que estão às enormes extensões. É, por outro lado, um povo sim-
pático e acolhedor com o qual convivi muito. Esta referência é, tam-
bém, uma invocação que faço a esse povo maravilhoso do país irmão que é
Angola.

Matos Serra

domingo, 23 de outubro de 2011

Recordações

Tema: Belezas do Alentejo
Aproveitamento de um mote do tio Chico dos Moinhos, moleiro de Casével, Castro Verde, e fazendo apelo a recordações de infância, quando, como guardador de rebanhos e de sonhos deambolei pelo vale da Ribeira de Vide, mais conhecido como o Vale das termas, onde se situam as célebres Termas da Sulfúrea - Cabeço de Vide, no concelho de Fronteira.

Mote do Tio Chico dos Moinhos

Óh velas do meu moinho
Rodízios da minha azenha
Vão rodando lentamente
Esperando que a morte venha

No seu curso calmo e lento
vejo as curvas da ribeira
e a frondosa oliveira
balouçando ao som do vento,
que, de momento a momento,
vinha soprar de mansinho
quando eu fazia o caminho
que do vale sobe ao monte.
Òh pedras da velha ponte...
Óh velas do meu moinho!...

Vejo a linda moleirinha
de manhã, quando ia à fonte,
levando na meiga fronte
uma auréola de farinha,
e, depois, quando à tardinha
sosinha descia a brenha;
não há nada que contenha
estas saudades de outrora...
O velho açude, e a nora...
Rodízios da minha azenha.

Ouço a água que caía
em sonoroso caudal
e o doce madrigal
da alegre cotovia,
e, ouço, na manhã fria,
o negro melro plangente
a trinar suavemente
ternas árias e canções...
As minhas recordações
vão rodando lentamente.

Vejo os baguinhos de trigo
que sob o peso da mó
se transmudavam em pó
naquele moinho antigo...
E, quando agora prossigo
com esta breve resenha,
não há nada que detenha
saudades e emoções
quando passo os meus serões
esperando que a morte venha.

Matos Serra

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

JOGOS FLORAIS DA UATI, FARO 22 DE JUNHO DE 2011

EM HOMENAGEM AO POETA, JORNALISTA E EX-ALUNO
DA UATI, DIAMANTINO MARTINS CAVACO BARRIGA, FALE-
CIDO EM 2009.

Nestes jogos florais, com quatro modalidades a concurso, na área da poesia, o patrono, a título póstumo, foi o malogrado Diamantino, tendo sido utilizada uma quadra de sua autoria para mote de uma das modalidades ( POESIA OBRIGADA A MOTE), por acaso uma quadra carregada de muita ternura e muito a propósito, como se ele a tivesse composto já a partir de além-túmulo.
Eu compus os meus trabalhos, e concorri em todas as modalidades, tendo em conta a homenagem a esse grande poeta do Algarve, sempre em invocação a Ele.
A este certame poético, organizado pela UATI, para professores e alunos das universidades para a terceira idade, concorreram, realmente, professores e alunos de várias universidades séniores do país. Eu, tive a honra de ter concorrido pela Universidade Sénior de Portalegre que funciona nas instalações da prestigiada escola Silvina Candeias, e, para meu agrado e da nossa Universidade, conseguimos, por meu intermédio, trazer quatro prémios de poesia.

POESIA OBRIGADA A MOTE
( Com mote do malogrado Diamantino)

TÍTULO: OS SUBTIS CICLOS DA VIDA

MOTE
Uma florinha amarela
No teu caminho nasceu,
Não a pises, tem cautela!
Essa florinha sou eu.

Nos subtis ciclos da vida,
na eterna subtileza
dos mistérios da natureza...
flor é jóia colorida,
a enteléquia florida
que regressa sempre bela!
Para vir compôr a tela
que nos traz a Primavera.
Não é um sonho ou quimera
uma florinha amarela.

Surge no campo pintado
em florida profusão...
Em cada nova estação
se veste de novo o prado
num ciclo continuado,
porque nada pereceu...
Retorna ao seu apogeu
o que estava em letargia...
e que... em cada novo dia
no teu caminho nasceu.

E porque nada se cria...
tudo afinal se transforma...
toma a matéria outra forma,
tudo, apenas, se recria
com uma nova magia...
Novo quadro, ou aguarela...
Cada florinha singela
que parece indiferente...
não sabes se sofre ou sente...
não a pises, tem cautela!

Eu, que fui das criaturas
sensíveis, inteligentes...
agora, os meus componentes,
habitam outras 'struturas...
Deram-se outras conjunturas
num processo já não meu...
Algo, aqui, aconteceu,
sou outro ser transformado
em florinha de ar magoado,
...essa florinha sou eu!

Matos Serra,
Terceiro Prémio nesta modalidade.


CONTINUANDO A HOMENAGEM A DIAMANTINO BARRIGA

MODALIDADE: SONETO

TÍTULO: A MEMÓRIA QUE HABITA NOS TEUS VERSOS

Na memória que habita nos teus versos
é que há p'rá saudade um lenitivo,
porque mostras ali em tons diversos
a forma virtual de estares vivo.

De cotejar teus versos não me privo...
Por isso, é que procuro nos teus dispersos
encontrar um pretexto ou um motivo
p'ra vencer os momentos controversos.

Também voltei a ler as tuas prosas,
a percorrer os textos que deixaste,
a descobrir ali a vida eterna...

A beber nas palavras saborosas
o sumo dos discursos que criaste
no dom da tua escrita sempiterna!

Matos Serra
Terceiro Prémio nesta modalidade

MAIS UM POEMA PELO DIAMANTINO

MODALIDADE: POESIA LIVRE

TÍTULO: A TERNA LOUCURA DUM POETA ( Numa relação com a ideia sugerida no mote)

Eu, cá, não sei até se já te vi
disfarçado nas pétalas das flores,
escondido, mas, vivendo por aí...
p'los jardins e p'los campos de mil cores...

Onde talvez se esconda a Florbela,
quem sabe?... Se Camões ou Bernardim?
De um flor, ou, talvez... a partir dela,
estão mandando poemas para mim?...

Quem sabe? Se... afinal... quando me inspiro,
quando no campo encontro os melhores temas...
das flores ou dos poetas eu retiro
o sopro do meu estro p'rós poemas?...

Visitarei os prados muita vez
para tentar falar com todas elas,
porque tenho uma esperança que talvez
te encontre entre florinhas amarelas.

E levarei a estrofe dum poema,
gritá-lo-ei bem alto p'rá paisagem...
para falar contigo sem problema,
as flores entenderão esta linguagem.

É a tertna loucura dum poeta,
ao invocar um outro, seu amigo...
usarei a linguagem mais dileta,
porque sempre um poema irá comigo.

Que o poeta é presente, nunca parte,
é eterno na sua poesia...
tu, ficaste, através da tua arte...
convives, entre nós, no dia-a-dia!...

Matos Serra
Segundo Prémio na modalidade

SEGUE-SE O ÚLTIMO TRABALHO - O MAIS SIMPLES MAS O MAIS PREMIADO

MODALIDADE: QUADRA

TÍTULO: POESIA É VIDA ETERNA

Um poeta nunca morre,
vive na sua poesia,
que é perene e que concorre
dando à vida fantasia.

Matos Serra
Primeiro Prémio na modalidade.

CONCLUSÃO
Para honra da escola que fui representar, cumpri como me foi possível,
tendo conseguido um prémio em cada uma das modalidades a concurso,
penso que não foi nada mau.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

TEMA: O AMOR - Soneto aliterado

FASCÍNIO

O meu fascínio é tanto... eu sei lá quanto...
que de ser tanto a conta lhe perdi,
ao me perder de encanto e doce espanto
desde o primeiro momento em que te vi.

Em tanto... quanto verso, te garanto
ser um poeta do amor rendido a ti;
fremente amor ausente eu já senti
e escrevi versos que canto como o Anto (a)

Meu coração recanto que se agita...
ação desta paixão que há nele inscrita,
que excita, ferve e grita como um pranto...

Anda nele a loucura circunscrita...
eu apelo à razão que não evita,
que entretanto eu socumba ao teu encanto.

(a) Anto - pseudónimo literário do ultra-romântico António Nobre.

Matos Serra

domingo, 7 de agosto de 2011

TEMA: A GUERRA COMO OFENSA HUMANA

Este meu poema tem a ver com a crueldade de uma ação vivida durante a Guerra Colonial, propositadamente descrita com palavras que retratam a realidade experienciada. Mais cruel que todas as palavras duras aqui expressas foi a própria realidade vivida que jamais pode ser traduzida por palavras. Mas, na medida que ela, a realidade, pode ser expressa em palavras, então, que elas possam atingir o coração dos homens, como invectiva contra a guerra e pela fraternidade humana, em prol da paz

Poema dedicado a "ADRIANA", uma mulher preocupada com os problemas do racismo e do desamor entre os Homens.

PÁSSAROS DE FOGO ou (HELIASSALTO)

Em pássaros de fogo
chega o pelotão da morte
para impôr como jogo
a lei do mais forte.

Da orla da mata
parte fogo e metralha
e o terror se espalha
por cada cubata.

Morteiro a morteiro
há corpos caídos
em sangue esvaídos
no pó do terreiro
que serão consumidos
no horror do braseiro.

O menino escuro
indefeso chora
pertende ir-se embora
mas treme inseguro
ainda o vejo agora...
...tem as tripas de fora!...

Ainda o vejo agora
mas tento esquecê-lo
ao menino que implora
num eterno apêlo.

Era terno e puro,
mas, morreu p'lo futuro
já não pode tê-lo...
é por isso que eu juro
que tento esquecê-lo.

Eu tento esquecê-lo
mas, a toda a hora
continuo a vê-lo...
tem as tripas de fora!

E, num pranto sem fim,
é dentro de mim
que o menino chora!.........


Matos Serra, in "POEMAS DO TEMPO DE GUERRA"

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Em memória de Inês e de Pedro - TEMA: O AMOR

Os amores de Pedro I, de Portugal, e de Inês de Castro, têm sido, na poesia, um tema recorrente da maior parte dos poetas, na Literatura Portuguesa, porque não, eu, assumir também o direito de tratar o tema, na minha poesia? A minha poesia é como é e as outras, as dos outros poetas, são como são...
Sendo que afinal o Pedro foi um pingamor, que, para além. eventualmente, doutros amores esporádicos, amou Constança, Inês e Teresa e delas teve filhos, eu poderia tratar o tema em termos de retângulo amoroso, mas deixo isso para mais tarde e vou, por agora, envolver apenas, no "SONETO" que se segue, o Pedro, a Inês e a Constança e tratá-lo na triangular figura geométrica. A memória de Teresa, tão linda também, ao que dizem os incunábulos, que me perdoe um pouco por agora.

CONTO DA DOCE INÊS

Era uma vez, Inês, que foi rainha;
de Castela, veio ela - a doce Inês,
e com ela a Constança que já vinha
prometida ao Pedro Português.

Envoltos, Pedro e Inês num entremez,
Pedro não fez, talvez, o que convinha...
meteu-se num triângulo e duma vez...
desfez o compromisso que já tinha.

Difícil foi conter amor tão forte...
Que Inês era tâo linda como as flores.
Amor ultrapassou penas e dores...

Pode, até, resistir à própria morte...
Inês morreu de, amores p'lo seu consorte,
sem sorte... que a doce Inês morreu d'amores!... Matos Serra

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

TEMA: O AMOR

PELAS VEREDAS DA TERNURA

Eu procurei na vida o meu caminho
p'las veredas da ternura e do amor
e procurando andei de flor em flor
um nexo de doçura e de carinho.

Carícia e o afago são arminho
eu vou tecendo a vida em tom e cor...
sou aedo, poeta e sou cantor,
e tu, a minha flor de verde pinho.

Eu ando procurando, amor, o mote...
e, por ti, nesta busca, hei-de viver,
no meu cavalo-alado sigo a trote

em busca dum poema por haver...
e eu serei por ti um D. Quixote
se tu a Dulcineia quiseres ser.

Matos Serra

Tema: A arte

OS PODERES DO ARTISTA

Torvelinhos de formas e de cores,
o banquete da arte e da magia,
ternura dos espaços e das flores
conjugada com tons da poesia.

A cupidez das linhas e dos traços,
suaves claridades, ternos fundos
casando melodias e compassos,
a arte a revelar etéreos mundos.

O artista pode: Ir a toda a parte
onde quiser p'lo dom da sua arte,
por dominar feitiços e segredos;

dominar a magia e a beleza,
tornar bela e divina a natureza
pela virtude intensa dos seus dedos.

Matos Serra

domingo, 31 de julho de 2011

AGORA UM PEQUENO INTERVALO NA TEMÁTICA ALENTEJANA

A BUSCA BLOGONÁUTICA DA POESIA


Entrei aqui num blog um certo dia,
andava num passeio p'la blogosfera...
vim descobrir o espaço da poesia
para mim não passava de quimera;

estava para lá da fantasia.
Seguindo um raio de sol de primavera
procurava a beleza e a magia.
Encontrá-la, assim, não estava à espera.

Vim descobrir num blog um certo Zé
e outros que na prosa deitam rima.
Óh... quanto por aí anda disperso!

Com tanta maravilha aqui ao pé
e tanta poesia que nos mima!...
Este mundo encantado em prosa e verso! Matos Serra

PRIMAVERA ALENTEJANA

NATUREZA EM FESTA

Entre a realidade e a quimera
vestiu-se a Natureza de mil cores,
num pacto entre as aves e as flores
parece anunciar-se nova era;

nos prados é a vida que se gera,
nos bosques são alados seus cantores,
porque em março é o tempo dos amores,
ouço cantar o cuco - é Primavera.

Se em cada ano o quadro se renova
e se veste de novo a natureza,
os faunos lançam cantos na floresta...

é "ele" que anuncia a boa nova,
o cuco é pregoeiro desta certeza:
"JÁ TODA A NATUREZA ESTÁ EM FESTA".

Matos Serra

PRIMAVERA ALENTEJANA

ENGANADA ANDA A "FELOSA"

Mês de Março! É o tempo dos amores,
ouço as canções p'las sebes e silvados,
explodem em cor os campos e os prados
e brotam dos valados rios de cores.

Ensaiam os seus cantos sedutores,
mostrando-se gentis enamorados,
afinando ao limite os seus trinados
os alados e gentis conquistadores.

No interior do bosque canta o cuco,
com seu canto enganada anda a "felosa",
combativos o gaio e o picanço...

E... todo o "povo alado" anda maluco
com esta novidade pavorosa:
O CUCO ANDA A TRAMAR-NOS O DESCANSO.

Matos Serra

NA CALIDEZ DA PLANURA - UMA FORMA LIGEIRAMENTE DIFERENTE DO MESMO QUADRO ALENTEJANO

ALMA DE POETA E DE PASTOR

Ao lado das ovelhas no acarro,
fruindo a companhia do rafeiro,
tenho junto os alforges mais o tarro,
a corna do conduto e o caldeiro.

Vendo as rôlas pousadas no chaparro
arrolando o seu canto prazenteiro,
a água do barril em fresco barro
pendurado do tronco do sobreiro.

Este é o ambiente donde emana
minha alma de poeta e de pastor,
a fonte promotora dos meus versos...

Calidez da planura alentejana,
meu idílio de graças e de amor
aonde antigos sonhos são imersos.

Matos Serra

TEMA: SER ALENTEJANO

DOÇURA DA ALMA ALENTEJANA

Passa tão doce a brisa p'los trigais
que vemos ondular suavemente...
à calma e à ternura tão presente
vêm juntar-se os lindos madrigais

dos alados cantores pelos beirais.
Perante esta magia que se sente
e nos modela a alma lentamente,
nas colinas passeiam-se os moirais;

calmos e com seu ar contemplativo
parecem respirar flocos de azul...
a meia esfera cobre a Terra plana.

Brioso alentejano... O ar altivo
é a capa que cobre aqui no Sul
a doçura da alma alentejana.

Matos Serra

JOGOS RADICAIS DE (ANTES DE LISBOA SER LISBOA)

A TRADIÇÃO - ESPECIALMENTE
NO ALENTEJO E RIBATEJO

Desde p'ra lá dos tempos de Altamira,
bem antes de Lisboa ser Lisboa
e dos traços rupestres de Foz Coa,
que o Homem se diverte e que delira,

que ousa, que se arrisca e que se atira,
se fere, se fragiliza e se magoa,
às vezes vai p'lo ar e quase voa,
mas... frente à fera brava não se vira.

E, por vezes, o medo é assombroso,
mas... medo de ter medo ainda é mais...
é preciso mostrar-se corajoso.

Já bem antes dos "JOGOS RADICAIS"
a tourada era um jogo magestoso
para o ego dos nossos ancestrais.

Matos Serra

sábado, 30 de julho de 2011

O TOURO BRAVO E A TOURADA (TEMA)

Escrevo este soneto com algum pedido de perdão das más palavras. Poesia é poesia... e, portanto... lá vai disto Evaristo.

TÍTULO: FILHOS DA NATUREZA

Os animais cornudos, salvo seja,
não apenas cornudos virtuais...
muito embora se afirmem na peleja
são humildes e ternos - naturais.

Filhos da natureza que os bafeja
na terna comunhão dos matagais,
transmitem a ternura a quem os veja
picados pela mão dos racionais.

Em confrontos, embora desiguais,
lh'impondo violentos rituais
lhe lançam desafios que são bravatas...

aos humildes e ternos animais
querendo à força mostrar-se seus iguais
num duelo sangrento a quatro patas.

Matos Serra

A ODISSEIA DO PÃO

Para ter o seu pão de cada dia
o Homem dispendeu 'sforços insanos,
muitos duros trabalhos, muitos planos
e muita ousada luta e teimosia...

E, se na velha Europa já havia
a mágica gramínea há dez mil anos,
foi p'lo 'sforço inaudito dos humanos
e não por mera sorte ou por magia.

E, se a luz que nos vem do oriente
é coisa que nos excede e ultrapassa,
que do Céu se recebe e é de graça...

O pão... consagra o nosso esforço ingente,
é mais do que um troféu ou uma taça...
O PÃO... É A VITÓRIA QUE SE AMASSA!...

Matos Serra

ALENTEJO DO MEU PASSADO

As pueris manhãs, tardes amenas,
de leves, sossegadas primaveras,
Alentejo de sonhos e quimeras
de tardes pastoris, noites serenas,

são celestes harpas ou avenas
que eu ouço do passado, de outras eras...
As saudades atacam como feras,
no coração registo quantas penas!

E... quantas me ficaram na lembrança
das ternas brincadeiras de criança,
então um cavaleiro da alegria

que fazia do sonho a sua lança;
eu livre na planície era um Bonanza,
pequeno grande-heroi da pradaria!

Matos Serra

BELEZAS DO ALENTEJO - UM VIVER SERENO E CALMO

Trago em mim o aroma dos trigais,
o ar fresco dos vales e dos montes,
murmúrios das cachoeiras e das fontes
com a calma das tardes outonais.

um rouxinol cantando madrigais
fixado em luminosos horizontes,
robustez dos castelos e das pontes
e a alegria das horas matinais.

e trago no meu peito um sol ardente
que se atenua às horas do poente
se a terna solidão me invade a alma,

vagueio no mar do sul serenamente,
o Alentejo ameno me consente
a força de viver serena e calma.

Matos Serra

PORTUGAL AO CANTAR DOS CUCOS

FÁBULA DOS CUCOS

Nesta selva de "cucos predadores"
soçobra a passarada mais pequena,
"eles" vogam no céu como condores
pairando lá no alto em vida amena.


Alheios a misérias e suores
que aos outros sacrifica e empequena
degradaram os ninhos dos menores
arrotando fortuna e vida plena.


É o cantar dos "cucos" na floresta,
salve-se deste bando quem puder
da selva dominada pelos cucos...


que a fuga é a esperança que nos resta,
por mim... que nela fique quem quiser
porque eu... não fico aqui sem os trabucos.

Matos Serra

ALENTEJO - UMA CRISE DE DESEMPREGO

Cegonha, a pernalta sedutora,
senhora das planícies e dos prados,
rainha magestosa dos valados,
a terna mensageira voadora,

já não trabalha tanto como outrora,
passa dias alegres, descuidados,
nem a vemos andar pelos telhados
a levar a cestinha encantadora.


A cegonha ficou desempregada
a nova geração está empenhada
no gostoso fabrico artesanal.


Os bebés já não vêm lá de França,
a nova geração tem mais esperança
num novo e bom produto nacional.

Matos Serra

sexta-feira, 29 de julho de 2011

BELEZAS DO ALENTEJO - AS CEGONHAS

DANÇANDO NA BRISA LEVE

Passam rasando o vale e lá vão indo,
pequenas formações, como esquadrilhas,
vão ao sabor do vento, as andarilhas,
gerando, contra o monte, um quadro lindo.


Dançam na brisa leve e vão subindo,
vogando, à frente, as mães guiam as filhas,
quando alguma se atrasa fica a milhas
e, faz parecer o bando desavindo.


Lá longe já pousaram as primeiras,
cumprindo o seu papel de mensageiras,
num eterno retorno da beleza.


São senhoras do vale, e, delicadas,
já passeiam alegres, descuidadas,
e tornaram mais bela a natureza.

Matos Serra

terça-feira, 26 de julho de 2011

BELEZAS DO ALENTEJO. TEMA O TOURO. TÍTULO: PARENTE DOS AUROQUES

PARENTE DOS AUROQUES - SONETO


Parente dos auroques e bisontes,
além doutros chifrudos animais,
cruzado com cornudos mastodontes,
descendente de velhos ancestrais.


Invocado em gravuras magistrais,
nas pedras registado, e, noutras fontes...
nas rupestres, minoicas e outras mais.
Liberto nas planícies e nos montes.


É lenda permanente que nos soa,
nos traços de Altamira ou de Foz Côa,
e, desde o mundo antigo ao atual.


Foi fascínio de Gregos e Romanos,
na decorrente história dos humanos
foi sempre um elemento cultural.

Matos Serra

segunda-feira, 25 de julho de 2011

BELEZAS DO ALENTEJO - O Bosque Em Alvoroço

TEMA: AO CANTAR DO CUCO
EXPLICAÇÃO SOBRE A ABORDAGEM DO TEMA:

Dizem estudos sobre a ornitologia, e eu constatei, enquanto guardador de rebanhos e camponês observador, a veracidade sobre a conclusão desses estudos, quando apascentava cabras nos chaparrais da Ribeira do Freixo, que o cuco, depois de depredar os ninhos de outras aves mais pequenas, comendo-lhes os ovos, coloca, nesses ninhos depredados, a sua própria postura que abandona a um processo levado a cabo por essas aves que lhe alimentam e criam os filhos, sendo a "felosa" a que mais costuma deixar-se enganar, enquanto que, por exemplo, o gaio e o picanço, ao que eu próprio constatei, lutam denodadamente contra o cuco, pelas suas posturas e pela criação e defesa da prole, outras aves de pequeno porte mas de grande engenho e esperteza, como é o caso do pintassilgo, nidificam em ramos muito altos e flexíveis onde o cuco não se aventura, daí o sentido do meu poema e esta explicação sobre História Natural observada em direto e in locu, enquanto pastor, observador e poeta.
Por outro lado, a sabedoria popular, para os casos em que se constata que nos casais humanos o homem é preguiçoso e a mulher muito ativa e empenhada na provisão do lar, criou o seguinte adágio: "ANDA A FELOSA A ACARRETAR COMER P'RÓ CUCO".

O BOSQUE EM ALVOROÇO - SONETO À LAIA DE FÁBULA

Enquanto canta o cuco diz o gaio:
já chegou o malandro, preguiçoso...
que vamos nós fazer? Ave dum raio...
eu nunca vi um tipo tão manhoso.


O pintassilgo diz: Daqui não saio!
Vou procurar o ramo mais ventoso,
que eu já me acostumei, de lá não caio
e o cuco é grandalhão mas é medroso.


Já começou no bosque o alvoroço,
e, quando o cuco emite as suas notas
chilreia insegura a passarada;

mas, a felosa diz: eu cá, não ouço...
enquanto alguns vão dando cordas às botas
vai ficar p'ró martírio, a desgraçada!

Matos Serra

ALENTEJO - A VOZ DA PLANÍCIE

Som de frescas brisas, searas ondulantes,
alegre a cotovia cantando nos trigais,
meigo o rouxinol deixando os madrigais
no ciciar do vento em notas sibilantes.

Os trinados sinceros dos alados amantes,
o cantar da cigarra em tardes estivais,
da música com versos em tratos conjugais
neste Alentejo ardente em festas e descantes!...

Retiraste à natureza a voz dos elementos
p'ra dares à melodia uma expressão tão pura...
o teu lirismo é fonte d'água cristalina

'spalhada por aí aos quatro ventos...
invade o nosso peito em onda de ternura
porque a voz da planície é como a voz divina!...

Matos Serra

BELEZAS DO ALENTEJO - O CLARO-AZUL DO ALENTEJO

Os rios correm lentos no seu leito
encaminhando as águas romançosas,
vão percorrendo as curvas caprichosas;
mansamente as conduzem com seu jeito

pachorrento e calmo, e, como um 'streito
vão circulando em linhas sinuosas
da planície e colinas donairosas...
...Deixam marcas no Homem, seu sujeito.


Contemplativa a calma da planície
é que nos mostra clara a superfície
das coisas e dos seres que tem o Sul...

Esta forma de ser garbosa e calma
da Terra que modela a nossa alma,
Alentejo vogando em Claro-azul.

Matos Serra

BELEZAS DO ALENTEJO - Retalhos de Uma Vida de Pastor

Há no quadro campestre que vos narro
um tigrado rafeiro e uns ovinos,
um cajado, uns alforges mais um tarro,
um coxo de cortiça p'rós caninos,

um poço, um chafariz e um chaparro,
onde alados cantores dispersam hinos...
Pode não ser o quadro mais bizarro...
vertente promotora de destinos...

É o meu ambiente onde se inscreve,
no calor da planura alentejana,
como na cor da tela dum pintor...

a natureza pura a que se deve
a aura ruralista donde emana
minha alma de poeta e de pastor.

Matos Serra

BELEZAS DO ALENTEJO - A Chegada das Cegonhas

Em voos rasantes passam vale acima,
e vão pousar, lá longe, sobre o prado...
compondo a natureza que se anima
e se veste de um fundo salpicado
que espalha notas brancas p'lo valado.
Eu, fico horas olhando a obra prima,
um quadro em movimento compassado,
no vale que se anima ou desanima.

E, fica entrecruzado o fundo azul,
assim... como uma tela em movimento,
deslumbrante de magia e de beleza...

As cegonhas estão chegando ao Sul.
Cada vale ou caqmpina toma alento
com o novo multicor da natureza.

Matos Serra