quarta-feira, 30 de novembro de 2011

BRINCAR NO PORTUGUÊS

O trabalho despretencioso que se segue é a resposta a um desafio que me foi posto relativamente a uma frase do extraordinário escritor moçambicano Mia Couto "Venho brincar, aqui, no português, a língua". É, portanto, uma forma descomprometida de ensaio de escrita em que, também eu, como sugere a frase em epígrafe, me proponho ir de encontro ao objetivo do Mia Couto, já que também penso que a nossa língua ganha muito ao ser ensaiada, brincada, treinada, alegrada e, das formas que nos seja possível experienciada, ganha ela, língua portuguesa, e ganhamos nós falantes e fruidores dela, também em termos de escrita.
Também eu para "brincar um pouco, aqui, no português, a lingua" recorri ao seguinte artifício:
Escrever um poema, considerá-lo como um campo, uma lavra, e usar as palavras como as sementes ou as plantas, se der mais jeito considerar assim, considerando uma certa agrimensura na distribuição das sementes relativamente à plantação geral. Dividi, por isso, o campo em três setores, ou seja, dividi o poema em três partes, cada parte corresponte à extensão de um soneto clássico, usei as aliterações para dar à linguagem colorido e ritmo, naturalmente, respeitando a medida do verso e as acentuações para lhe conferir musicalidade e alegria. Para brincar um pouco mais, em cada uma das partes que corresponde à extenção e ao aspeto formal do soneto, variei a medida do verso, assim, no primeiro usei o verso, heróico, no segundo, o sáfico e no terceiro o alexandrino. Como compus o trabalho de uma assentada, consegui, sem grande dificuldade, manter o ritmo e o colorido da linguagem até ao final da segunda parte, quero dizer, do segundo soneto, mas tive dificuldade em manter a fluência a partir do início da terceira parte, facto a que dou expressão na própria linguagem que aí utilizo.
Foi uma tentativa, à minha maneira, de brincar um pouco no português. Foi o que se conseguiu arranjar e, portanto, aí vai verso:

TÍTULO: BRINCAR NO PORTUGUÊS

PRIMEIRA PARTE - EM DECASSÍLABOS OU HERÓICOS

Gosto de aliterar os meus poemas,
"as lavras, de palavras semeadas",
nas estâncias com distâncias programadas,
não põr traves, entraves ou dilemas;


Nos versos pôr diversos emblemas
e cores, que sejam flores quando cantadas,
as falas às escalas atreladas,
sem correntes, grilhetas ou algemas.


Pôr na palavra um chiste se estou triste,
num verso que não seja controverso
pôr saborosa prosa e fluidez...

Que humor com graça em riste é que resiste,
fazer caminho inverso sobre o verso,
brincar de quando em vez... no português.

SEGUNDA PARTE, EM SÁFICOS OU HENDECASSÍLABOS

Vou p'lo curso do percurso do discurso,
que lendo estetas, prosaicos e poetas
é que descubro as cadências mais concretas,
"busco imagens ou passagens de recurso";

Treino as frases mais capazes no decurso,
querendo aferir para atingir as minhas metas
com palavras mais concisas e corretas,
e, a brincar, treino as fases do percurso.

A pensar, dizer, escrever ou a compôr...
vou pintando o português em tom e cor,
musicando a bela língua de Camões...

Meus poemas são esquemas de linguagem,
são propícios exercícios de abordagem
com diversas, controversas, emoções.

TERCEIRA PARTE, EM ALEXANDRINOS OU DODECASSÍLABOS

Já só garanto o desencanto do meu canto,
porque, entretanto, no meu canto estou tolhido,
a minha alegre e bela musa que era um espanto
eu não sei se soçobrou ou terá ido.

Já tenho em coma o cromossoma do ouvido,
em vez de humor veio o estupor do desencanto...
se um incidente imprevidente houver sofrido
esta alegria anda escondida em triste manto.

Quando quiser... deixá-la vir, não tenho pressa,
porque eu já vi que ela anda assim um tanto ou quanto
meio arredia da poesia e do trabalho...

Só vos garanto por enquanto uma promessa:
meto esta musa tão confusa num recanto"
para brincar no português - e já não falho!...


Matos Serra em
ensaios de linguagem.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O FADO - PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE

QUINTO POEMA
TÍTULO: INVOCANDO AMÁLIA

Numa guitarra peguei
só para cantar o fado,
não pude cantar, chorei,
por me lembrar do passado.

Quando a Amália morreu,
chorou todo o meu país,
que nesse dia perdeu
a melhor embaixatriz.
Em cada beco ou viela
ouvi chorar toda a Grei,
para me despedir dela
numa guitarra peguei.

A Cultura Portuguesa
que ela ao mundo nos abriu,
chorou de dor e tristeza
no dia em que ela partiu.
Foi um desgosto profundo
neste país contristado,
que ela andou por todo o mundo
só para cantar o fado.

A alma de Portugal
ia naquele caixão,
neste seu ato final
fez chorar toda a nação.
Eu, recolhi-me e a sós
à guitarra me agarrei,
embargou-se a minha voz
não pude cantar, chorei.

Voz do fado, comovida,
que terminou o seu canto...
na hora da despedida
a tristeza fez-se pranto.
Mas... ainda nos encanta
o seu registo gravado,
morre-me a voz na garganta
por me lembrar do passado.

Matos Serra

O FADO - PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE

QUARTO POEMA
TÍTULO: TOADA FADISTA

Numa guitarra peguei
só para cantar o fado,
não pude cantar, chorei,
por me lembrar do passado.

Curtindo a canção bizarra
que me seduz e conquista,
do estro soltei amarra,
fiz-me poeta e fadista.
Eu, que às vezes, sou canhestro
por não ter regra nem lei,
abri as portas ao estro,
numa guitarra peguei.

Se é o fado que me chama
fico feliz e contente,
venho p'rás ruas de Alfama
para encontrar ambiente.
Quando me sinto inspirado,
quando o estro me domina...
venho à taberna da esquina
só para cantar o fado.

Sempre no fado busquei
alívio para o meu pranto,
porque nele é que encontrei
um conforto quando canto.
Uma noite... não me deitei,
estava triste e magoado...
fui p'rá taberna do lado
não pude cantar chorei.

Se ando triste e deprimido,
se a dor me tolhe ou agarra...
já me tem acontecido
pedir ajuda à guitarra.
Eu, que tenho procurado
dar à vida algum sentido,
fico sempre comovido
por me lembrar do passado.

Matos Serra

O FADO PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE TERCEIRO POEMA

TÍTULO: EM CERTA NOITE DE FARRA

O MESMO MOTE

Numa guitarra peguei
só para cantar o fado;
não pude cantar, chorei,
por me lembrar do passado.

O fado é triste lamento
que na nossa alma existe,
já muitas vezes cantei
p'ra soltar o sentimento...
Quantas vezes... estando triste,
numa guitarra peguei.

Não sei se o fado atenua,
engrandece ou persuade
nostalgias do passado...
Se a tristeza se acentua
apelo à dor e à saudade
só para cantar o fado.

Em certa noite de farra,
mas, também, de nostalgia,
a minha alma soltei,
agarrei-me a uma guitarra,
fiz apelo à poesia,
não pude cantar, chorei.

Que é feio um homem chorar
é um resquício de prosas
que já está ultrapassado.
Às vezes... deixo soltar
muitas lágrimas teimosas
por me lembrar do passado.

Matos Serra

O FADO - PATRIMÓNIO IMATERIAL E CULTURAL DA HUMANIDADE

SEGUNDO POEMA
TÍTULO: FADO PATRIMÓNIO MUNDIAL

O fado será um dia
património mundial,
cultura, sonho e poesia
de uma alma universal.
Irá no tempo e no espaço
por esse mundo, em geral,
ser a voz e o abraço
muito terno e fraternal.
Paira no ar a proposta
pela qual eu lutarei,
ao ouvi-la, por resposta,
numa guitarra peguei.

Que bom seria se o mundo
assumisse esta matriz,
que este cantar tão profundo
tem na saudade a raiz.
Canto, pranto ou sentimento
que veio de várias paragens
depois do renascimento
pelas nossas marinhagens.
Já viram? Que bom seria?
Sem guerras... unificado...
o mundo tivesse um dia
só para cantar o fado.

E não me levem a mal
dizer que o fado em verdade
é cantar transnacional
de amor, pranto e saudade.
Canção que fado se chama,
dolente, triste e fagueira,
com raízes em Alfama
trazidas da Terra Inteira.
África, Índia, Brasil...
em terras que visitei
encontrei o seu perfil,
não pude cantar, chorei.

Nas caravelas do Gama
se transportaram raízes
que depois foram matrizes
desta Alma Lusitana.
Bairro Alto ou Madragoa,
Graça, Pina ou S. Vicente...
desabafos em Lisboa
trazidos do Oriente.
P'la universalidade
que eu no fado procurei
senti a fraternidade
não pude cantar, chorei.

Matos Serra

O FADO - UM PATRIMÓNIO IMATERIAL DA HUMANIDADE

Os cinco poemas que se seguem são dedicados ao fado e são uma forma de eu estar solidário com a proposta da sua candidatura a património imaterial e cultural da Humanidade. Organizei esta sequência de versos sobre este tema, tão mobilizador da atual atenção dos portugueses, até por uma questão de nos manter, de algum modo, um pouco do nosso astral menos deprimido pelos problemas da crise que nos afeta na hora presente. Organizei o processo criativo à volta de um mote, que é uma quadrado nosso cancioneiro oral e popular. São poemas simples, um deles pretende ser uma invocação da nossa grande fadista, Amália Rodrigues, e já mereceu nuns jogos florais, um prémio de poesia.

MOTE
Numa guitarra peguei
Só para cantar o fado
Não pude cantar, chorei
Por me lembrar do passado

PRIMEIRO POEMA
TÍTULO: A PROCURA DAS ORIGENS

Quis saber do nascimento
fui procurar as raizes
do lugar e do momento
sondei tempos e países.
Fui às cantigas de amigo
e ao Golfo da Biscaia,
à cantiga da garvaia
e às ondas do mar de Vigo.
Nas cantigas provençais
nosso fado procurei,
ouvi aedos, jograis...
Numa guitarra peguei

Fui aos versos de Camões
e às cantigas de amor
e li as composições
do poeta lavrador
que foi rei de Portugal.
Até os amores de Inês
visitei mais de uma vez...
Para constatar afinal
onde em algum manuscrito
estivesse codificado;
pus-me em campo, num conflito,
Só para cantar o fado.

Fiz viagens muitas mil
por savanas e sertões:
Índia, África, Brasil...
à procura de canções.
Visitei terras de Angola,
não faltou lugar nenhum,
ouvi versos em lundum
com batuques e viola.
A sentimentalidade
portuguesa investiguei,
muitas vezes com saudade
Não pude cantar, chorei.

Fui aos lugares mais adversos,
a docas, becos e portos,
rebusquei prosas e versos,
escritores, poetas mortos...
Li escritos de viagens,
aventuras e conquistas
donde surgiram fadistas
nos tempos das marinhagens.
Ao ler, no grande Reis Pereira, (A)
o livro que é um tratado,
chorei, à minha maneira
Por me lembrar do passado.

(A) José Maria dos Reis Pereira de Pseudónimo "JOSÉ RÉGIO.

Matos Serra

terça-feira, 22 de novembro de 2011

AGORA VOLTO AO TEMA DO AMOR

O poema que vou transcrever compu-lo há cinquenta anos, no início da minha primeira comissão na guerra colonial para enviar numa carta, à minha namorada de então, e que, continuando a ser a namorada é também, desde há quarenta e seis anos a esposa e avó dos meus netos.
Na altura em que escrevi este poema, num postal figurando aves voando por entre nuvens, e que devia enviar juntamente com uma carta, eu tinha regressado de uma missão de dois meses de combates muito duros no Norte de Angola, e estava descansando uns dias na cidade de Luanda.
Andava lendo um livro, O HOMEM ESSE DESCONHECIDO do Alexis Carrel; antes de escrever a carta, como já tinha escrito o poema guardei-o, entretanto, no livro, não sei porque razão foi ele parar entre a lombada e a capa de proteção... Quando escrevi a carta e quis encontrá-lo para o enviar junto, não mais o encontrei, escrevi, depois outro poema que enviei. Este só foi encontrado quarenta anos mais tarde, quando, na minha quinta de Cabeço de Vide voltei, de novo, à leitura do belo livro de Carrel.
Esta é a história do poema que, como disse, tinha escrito num postal figurando aves e, por isso o intitulei PENAS (no sentido de saudades, essas saudades sentidas no tempo da guerra e que, vieram a ser motivo de muita criação poética)

PENAS

Estas aves passam breves
por entre nuvens suaves,
as suas penas são leves,
as minhas... são penas graves.

Lá vão, como etéreas naves,
cheias de beleza e cor;
as suas? São penas d'aves;
as minhas? Penas de amor.

Que não são penas pequenas...
mas... não servem p'ra voar.
Que pena... Que as minhas penas
não me dão p'ra regressar!...

Se eu grandes penas tivesse
para voar pelo céu fora
não sofria, ó se eu pudesse
estar contigo a toda a hora!...

Mas... minhas penas não dão
para voar em liberdade,
porque as minhas penas são...
penas de amor e saudade!...


Matos Serra in
poemas do tempo de guerra

A CRISE ORÇAMENTAL

Se todo o produto nacional
não fosse só de meio dúzia de senhores
e fosse com mais critério repartido...
E o trabalho também fosse, por igual,
com justiça, com razão e com moral,
igualmente por todos assumido,
com critérios justos, verdadeiros...
Nem precisaríamos mais dos financeiros
PARA RESOLVER A CRISE ORÇAMENTAL.

Se, aos grandes senhores de alto estatuto,
de altas mordomias e brasões,
que rapam do taxo os últimos tostões
e nos degradam o produto interno bruto
em chorudas alcavalas de milhões
fosse bem aplicado um forte chuto...
Isto é, se se lhes desse de forma consciente
um pontapé puxado e bem assente
na parte mais larga dos calções,
ou seja, a boa biqueirada no traseiro,
para que não enganassem mais a gente
sustentando os trafulhas no poleiro...
Isso seria um bem para o erário de Portugal...
E, também, para resolver a CRISE ORÇAMENTAL.

Se, como fez, um grande português,
que além de ministro era marquês,
com alguns coevos safardanas,
a fingir de santinhos ou socráticos santanas...
Ou como fez o Bom Jesús de Nazaré
defendendo os seus princípios e razões
ao expulsar do Templo os vendilhões...
Ó, se houvesse entre nós um Cristo igual...
Com seus altos critérios sãos e justos,
resolvia sem polémicas e sem custos
O PROBLEMA DA CRISE ORÇAMENTAL.


Matos Serra

domingo, 20 de novembro de 2011

DEMOCRACIA

Uma vertente da minha poesia, porque a considero bastante necessária como motivadora da consciência nacional mobilizadora dos fatores subjetivos do sentimento da cidadania, insprescindível ao fortalecimento e melhoramento duma ética social rumo ao futuro, é a vertente político-social. Nessa perspetiva se integram alguns poemas que vou passar a incluir, também, no meu blog.

PRIMEIRO POEMA:
DEMOCRACIA

Quando a coerência e a razão
puserem laivos de amor
em cada coração,
nesse dia...
será dia de mudança,
o sol voltará a iluminar a esperança
e haverá de novo
flores na rua e risos de criança,
paz e harmonia.

Quando a justiça,
enfim, tiver vencido,
e o amor for um dado adquirido,
houver solidariedade
sem embuste, e com verdade...
e for a voz dos justos libertada,
reataremos a obra começada
num Abril mais florido!...

E ouviremos a música prometida...
a bandeira do amor será erguida
e desfraldada,
a hipocrisia voltará ao seu redil,
e... ver-se-á envergonhada
de tanto embuste e tanto ardil
e será de novo Abril
com cravos muitos mil
na Pátria libertada!...

Quando houver um esforço nacional
(por todos assumido, e, conjugado,
e o resultado desse esforço crucial,
que deve ser por todos dispendido,
seja a todos, justamente, compensado,
para que seja o trabalho motivado...)
para atingir-se o resultado pretendido...

E, quando, já não houver em cada empresa,
o saque abusivo da riqueza,
por parte de alguns boys e de doutores
que compraram canudo ou sem canudo...
levando um quinhão muito chorudo
em vencimentos dourados, tentadores...
e que, na sua qualidade de gestores,
invocando a alta competência...
colocam a riqueza em offshores
e quem trabalha a viver na indigência...

Quando o povo acordar da letargia,
despertar o bovino adormecido...
como disseram o Eça e o Ramalho
referindo-se às forças do trabalho...
irá querer mudar o dia-a-dia,
exigir explicações e ser ouvido.

E, então, ao acordar dessa apatia,
da distração do futebol e da igreja...
para exigir outros princípios e valores,
com outra consciência e energia...
talvez, então, enfim, a gente veja
chegarem dias mais animadores.

Quando isso tiver acontecido,
se tiver varrido o nepotismo,
o compadrio, o amiguismo, a corrupção...
que assola a sociedade portuguesa,
afastado o grande coio de parasitas,
tomada outra atitude e outra ação...
este País rumará noutro sentido,
afastar-se-á da beira do abismo,
será mais forte a consciência da Nação
e haverá, então, um país em que acreditas!...

Quando a violência sobre os fracos for banida,
a justiça em bandeira for içada...
para que a voz dos justos seja ouvida...
e não seja dos fracos a razão acorrentada
e a ação dos ladrões for sancionada
para que seja comedida, e... controlada...
dos barões a gula desmedida...
a justiça reinará,
e... nesse dia... diremos que haverá...
enfim... DEMOCRACIA!...

Matos Serra

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

PARA LÁ DO BEM E DO MAL

TRATAMENTO DO ADÁGIO - "POR BEM FAZER; MAL HAVER"
Os poemas que se seguem são formas pessoais de eu intrepertar e tratar, criticamente, o adágio popular "POR BEM FAZER, MAL HAVER"
Realmente se repararmos bem, com os olhos da moral, que deve ser despretenciosa, verificamos que há nele como que um lamento pelas consequências de se ter feito o bem e, eventualmente não se receber a boa paga que se esperava; é ter-se o sentimento de que se fez um mau negócio com esse investimento a partir do qual se esperava uma boa contrapartida. Ó meus bem feitores por investimento! Tenham lá santa paciência... O bem, para ser o absoluto bem, não pode ser a perspetiva de um bom negócio com o Criador, mas, sim, uma dádiva despretenciosa e livre.
Por isso aí vão os meus dois poemas.

Primeiro Poema
Título: PARA LÁ DO BEM E DO MAL

Eis, aqui, uma questão
mais moral do que estética...
desafia a própria ética
tendo em vista a solução.
Aos domínios da razão
faz apelo, toda ela...
não sei como resolvê-la,
requer profunda atenção.

Profundamente moral,
para lá do bem ou do mal
a que faz invocação.
Ora vejamos então...
A frase que se apresenta
para nossa investigação
já não vem de todo isenta...
De uma leitura profunda
salta a lógica rotunda
que o seu autor se lamenta,
e... lamento não é isento...
e, não tem a ver com lógica...
Quando entra o sentimento
vai-se a racionalidade...
é a via axiológica
que nos dá a condição
para chegarmos à verdade.

POR BEM FAZER, MAL HAVER...
isso pode acontecer...
mas... não terá nada a ver
com a própria força do bem,
esse vai permanecer
para lá de ter ou não ter
compensação ou desdém.

Para alem de se viver
sem fazer mal a ninguém,
lutemos p'lo bem fazer
porque, isso, é fundamental
ao Homem enquanto tal,
compete ao Homem deter
a atitude moral
que conduza ao bem geral
para lá do ter ou do ser.

Por isso... é imperativo
categórico, Kantiano...
ter-se um justo objetivo
sempre Humano... Mais Humano.
Assim, não colheria sufrágio
esta expressão ou adágio
e, iria desaparecer.
Há, contudo, a não esquecer
que, se ingratidão e egoismo
se continuarem a manter
como forte catecismo...
continuaremos a ter
para lá de toda a razão
a força deste rifão:
POR BEM FAZER, MAL HAVER!.....



SEGUNDO POEMA
TÍTULO: QUEM FAZ BEM, NÂO OLHA A QUEM

Quem faz bem, não olha a quem
nem pensa em contrapartida,
só assim pode ser bem.
E, se o bem fizer, alguém...
para que o bem em seguida
se salde em belo provento,
não é bondoso, é astuto...
e, esse bem só a contento
não é o Bem absoluto;
nem, tão pouco, é bem geral...
é menos bem do que é mal
que moral não é produto...
mercantilismo moral
é regra para mau estatuto...

"Quem faz bem, não olha a quem"
e deixa rolar a vida
mais em função do bem querer
do que em ter contrapartida.
Se, é certo, que é muito justo
bem haver por bem fazer...
Fazer bem tem o seu custo,
e eu, cá por mim, não me assusto
"Por bem fazer, mal haver"!....

Matos Serra

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

AINDA O TRATAMENTO DO ADÁGIO POPULAR: BURRO MORTO, CEVADA AO RABO

TERCEIRO POEMA DO BURRO
TÍTULO: A ALMA DO BURRO

A história deste gerico
é uma história engraçada,
porque deram ao burrico
além de muito atrasada,
a ração p'la porta errada.

E, disse o pobre jumento...
disse... ou parece que o disse...
ou foi a alma do burro?...
assim como num lamento,
mais pela humana burrice
daquele dono casmurro
que no derradeiro momento
lhe queria dar o sustento?

E, como que num sussurro...
ouviu-se a alma do burro
e ninguém o contradisse.
Disse-o no ato final,
para revelar a moral
e contestar a patetice.

A moral daqui tirada
de forma muito precisa,
é muito clara e concisa
e por demais revelada:
A falta de decisão
numa ação que é programada
e não tiver conclusão...
ou uma ação atrasada...
Pode ser 'ma burricada
que já não tem correção!.....

Matos Serra, escreveu esta trilogia do burro em Novembro de 2003 e,
os três poemas foram premiados com um 1-º Prémio, um 2-º Prémio e
uma menção honrosa.

TRATAMENTO DO ADÁGIO POPULAR: BURRO MORTO, CEVADA AO RABO

OS TRÊS POEMAS QUE SE SEGUEM TRATAM DE FORMA BEM HUMORADA O ADÁGIO REFERIDO, SEM ESQUECER, NATURALMENTE, A MORALIDADE QUE O ADÁGIO ENCERRA, QUE É A CRÍTICA ÀQUELES QUE POR DEMORAREM MUITO A PASSAR DA PREMEDITAÇÃO À AÇÃO PERDEM, PERDEM, POR ISSO, A OPORTUNIDADE DE ATINGIR, ATEMPADAMENTE, OS SEUS OBJETIVOS.

PRIMEIRO POEMA: SENTIDO FIGURADO

Neste tão velho ditado,
o rabo que vem descrito
tem sentido figurado;
ele é, ao fim e ao cabo,
'ma outra forma de rabo...
não o própriamente dito.
Dito não literalmente...
não é cauda propriamente,
mas algo mais redondito;
aquela forma inocente,
que é, afinal, somente,
'ma espécie de buraquito,
que fica localizado
no ponto mais recuado
da 'strutura do burrito.

Dar de rabo na moral,
não sou eu a fazer tal...
por isso, devo dizer:
o que houver para fazer
não se guarde p'ró final
quando a pena já não vale.

Dizia certo poeta,
de forma muito concreta,
muito concreta e serena...
para se atingir a meta
tudo vale sempre a pena,
se a alma não é pequena.

Mas... eu, nem sou da poesia...
nem de grande pensamento...
nem me tenta a fantasia
de ir fazer filosofia
sobre o rabo de um jumento...
que, para além de figurado,
é um burro já finado,
e, por esse passamento,
eu só não choro e lamento
por ser um burro inventado.

Matos Serra, Novembro de 2003

SEGUNDO POEMA: UMA CEVADA PERDIDA

O burro, nunca foi burro...
neste rifão ou ditado,
o dono, é que foi casmurro,
por não ter tido cuidado.
A moral, que aqui, vale,
nisto o adágio é perfeito
e atinge razão plena...
o esforço é fundamental,
mas sempre deve ser feito
quando ainda vale a pena
e a perspetiva é real.

A ação, como a ração,
não deve ser descuidada
e deve ser colocada
com cuidado e prontidão
na forma que lhe é devida,
sempre à porta da entrada
não à porta da saída...
e neste caso, a cevada,
traduz ação atrasada,
é uma cevada perdida
e foi desaproveitada
por ter sido colocada
a uma porta já fechada
e, além do mais, proibida.

A moral daqui tirada,
eu digo ao rever a cena
que a ação não vale a pena
se estiver ultrapassada,
e, daqui deduzo a razão,
porque ao fim e ao cabo
se inventou este rifão:
BURRO MORTO, CEVADA AO RABO!...

Matos Serra, Novembro de 2003

BRISAS TRANSTAGANAS

A minha primeira infância foi passada no campo, neste chão do Alentejo ao norte, quero dizer, a plen-planície alto-alentejana, onde as brisas prepassam pela extensão da paisagem, soprando, em geral com suavidade,originando um movimento de ondulação sobre a superfície dos trigais, deixando, ao mesmo tempo, um sentimento de tranquilidade e uma musicalidade calma e repousante.
Ainda hoje sinto invadir-me a alma e transportar-me para os mares do sonho a recordação desses momentos mágicos vividos nessa comunhão plena com a natureza - a recordação dessa música das breves brisas da minha infância.
Por esse motivo tentei compôr um poema estruturado com base na nossa poética tradicional, do género daquela que eu ouvia aos antigos pastores convidados pelos meus pais nos serões de província à lareira do velho monte da minha infância perdida.
Para além de recorrer à nossa poética tradicional, tão genuína e fluente, assente nos artifícios da redondilha, fiz uso das aliterações com os sons das líquidas, das fricativas e das sibilantes que me trouxessem as sensações musicais das brisas da minha meninice e me envolvessem na terna frescura desses meus tempos passados.
Não tenho a certeza de ter conseguido alcançar os meus objetivos, mas lá que me senti transportado nas asas do tempo como se tivesse embarcado nas asas do vento, isso... eu não posso negar.
Então aí vai - é um poema com mote desenvolvido em estâncias de dez versos (Décimas tradicionais alentejanas)

MOTE
Belas... brandas brisas breves,
soprando soltas, serenas,
passam suaves e leves,
levam mágoas, lavam penas.

Alentejo! És passaporte
para recantos de encantos,
que me inspiras cantos, tantos!
Caro amparo, meu suporte
que tens forte vento norte,
mas... raramente te atreves
às mais leves frias neves!
São alentos os teus ventos,
bentos esses sopros lentos...
belas, brandas brisas breves!

Rutilantes, refulgentes...
teus montes... fontes de calma
que refrescam nossa alma
com brisas, lisas, fluentes...
Vão contentes e frementes
pequenas frentes amenas!
Melodiosas avenas
são como notas divinas...
sulcam leves as campinas
soprando soltas, serenas...

Branduras de breves brisas
tangendo o fio de teus rios
que se evolam nos estios
inconcisas, imprecisas...
suaves, soltas e lisas.
Notas leves, semi-breves
que tu 'screves e descreves
nas fontes, pontes ou ruas,
como silentes faluas
passam suaves e leves!

Frescuras de brisas puras
circulam nas tuas praças
e nas traças em que enlaças
tantas graças e ternuras...
São doçuras das planuras
cenas de amenas verbenas
em noites plenas...Pequenas
para tanta graça e poesia...
revoadas de alegria
levam mágoas, lavam penas!.....


Matos Serra

SENSAÇÕES DE TEMPO E DE ESPAÇO

Quando se esvai a tarde rotineira,
os silêncios nos tocam de mansinho,
cada bulir de folha é um caminho
para ser duma ideia a mensageira.


Como terno sabor dum fresco vinho,
quando a brisa nos põe a mão fagueira
é como uma ancestral tecedeira
que tece os seus lavores em fofo arminho.


Nos dias de calor, quando o sol arde,
há timbales na alma, quando a tarde
já acalma o calor do sol ardente...


E, quando se aproxima o fim do dia,
traz algo de mistério ou fantasia
com a rubra magia do poente.

Matos Serra

O CARRO DE APOLO OU O CICLO DIURNO DO TEMPO

MODALIDADE: SONETO
O soneto que se segue tem um tema obrigatório que me foi dado e em função do qual organizei o processo criativo. "RUBRA MAGIA DOS POENTES"


Conduz, Apolo, o carro até à margem,
percorre a sua curva descendente,
ali, Breu, toma o carro e segue em frente
depois que o Rei dos Astros faz paragem.


É, agora, de Breu esta viagem
ao extinguir-se a cor no céu luzente;
já se aproxima Vénus mansamente
e já se vê d'Aurora a fresca imagem.

Deus Cronos que preside à aventura
que Ele comandará eternamente,
já, ali, definiu todas as metas;

e, neste eterno ciclo que predura,
vai manter a magia do poente
p'ra despertar o estro dos poetas.

Matos Serra

QUEM CANTA, SEU MAL ESPANTA

OS TRÊS POEMAS QUE SE SEGUEM SÃO TRÊS FORMAS DE ABORDAGEM SOBRE
O ADÁGIO POPULAR " QUEM CANTA, SEU MAL ESPANTA"

1-º POEMA COM O ASPETO FORMAL - SONETO
TÍTULO: COM CANTIGAS E POEMAS

Adoça a tua vida com cantigas
e com gestos ligeiros e triviais;
Repara na ternura das espigas
e na cor das papoilas dos trigais.

Escuta as ternas notas ancestrais
a fazerem lembrar lendas antigas,
...a chuva traz momentos ideais
e combate os esforços e fadigas.

Dá vida à doçura dos poemas
e dos timbres espontâneos, naturais...
faz de cada momento um tempo novo...

Dilui as amarguras e dilemas,
musica se puderes os próprios ais...
Quem canta, o mal espanta, diz o povo!

Matos Serra

2-º POEMA : O CANTO DAS BARRIGAS

Se o cantar matasse a fome,
que é um mal vulgarizado
neste nosso dia-a-dia...
com o mal que nos consome
este nosso Portugal
já se tinha transformado
no palco da cantoria.
Pode bem ser, por sinal,
que neste quadro atual,
com barrigas a dar horas,
para espantarmos o mal
nos tornemos tal e qual
um bando de aves canoras.

Com a Troika a orientar
nós vamos cantar à rica
para ouvirmos a tripa
noite e dia a solfejar.
Como canção de embalar
que trará letras antigas,
árias velhas e cantigas.
E, poderemos esperar
não bom vinho, pão ou queijo,
não faltará é solfejo
da fome, pelas barrigas.

"QUEM CANTA, SEU MAL ESPANTA"
vai ser grande a cantoria
hora a hora, dia a dia,
porque a fome vai ser tanta
que a nossa pobre garganta
vai estoirar da melodia.
Por isso, o que já se augura
se a fome der em fartura,
em excesso, que, entretanto,
tornará o canto em pranto
e morreremos da cura.

Não esqueçamos o adágio
que vai ser remédio santo,
por mim, estou a fazer estágio
por já sentir um presságio:
a fome tornar-se canto.
Mas também tenho presente,
vou deixar que o tempo corra
para constatar certamente
que, mesmo que à fome morra
o povo como indigente
veremos naturalmente
uma pandilha indecente
a cantar à tripa forra!....

Matos Serra

3-º POEMA: QUANDO A VERDADE NOS MENTE

Quem canta, às vezes, coitado...
a fingir que anda contente,
sentindo-se contristado...
finge mal o que não sente,
com a verdade nos mente
tendo a tristeza presente
no cantar desafinado.

Nessa linguagem que canta
vemos a alma que chora.
A alma trai a garganta,
porque vemos, muito embora
na voz que a verdade espanta
a fingir de ave canora,
a alma que se quebranta.

"Quem canta, seu mal espanta"
até pode ser verdade...
mas, quando a tristeza é tanta
o cantar não persuade...
creio, até, que desencanta
essa tristeza que invade
a quem ouve e a quem canta.


Matos Serra

domingo, 13 de novembro de 2011

COMO EVA NO PARAÍSO

SENSUALIDADE, QUASE EROTISMO
SONETO A UMA MULHER BELA


Essa mulher é fogo, um sol ardente,
num rosto de rainha da beleza
uns lábios a lembrarem framboesa
deixam meu coração incandescente.


Sua voz é um som da natureza
com eco mavioso e estridente,
um timbre que se solta alegremente
para espalhar o tédio e a tristeza.


Seu corpo de sereia me enlouquece,
de vê-la a loucura se acentua,
se passa junto a mim? Perco o juizo...

É como um terno sol que me aquece,
em sonhos fico a vê-la toda nua,
assim... como Eva andou no Paraíso.


Matos Serra

FRAMBOESA

SONETO EM HONRA DE EROS

Seus lábios a lembrarem framboesa,
nos cabêlos, a cor loura do trigo,
num rosto nunca vi tanta beleza...
Meu Deus! Quero esquecê-la não consigo.

Sua voz é um som da natureza,
eco de fresca aragem, vento amigo,
a lembrar-me palácios de princesa
aonde eu procurar porto de abrigo.


Se ela passa uma aura se desprende,
se ela fica uma aura se acentua,
se quer ir... que ela fique se pretende,

porque, assim, a tristeza se atenua.
Qual é o coração que não se rende?
Se ela é tão bela assim... Que será nua?..........



Matos Serra

TERNO LAÇO

"DEDICADO A UMA MULHER PEQUENA, MORENA E LINDA"
entre duas mulheres que seguiam na rua, num momento da minha vida,
eu me apaixonei por uma delas e lhe entreguei o meu coração.



Lá vem aquela lesta, loura e linda,
ela vem linda e lesta, bela e loura...
É tão linda... e vem lesta na berlinda,
bem vinda, por ser linda e sedutora.


É porque ela é tão linda e lesta ainda
é que ela segue, assim, dominadora...
No traço do seu passo em que se alinda
projeta a energia desta hora!...


E, a seguir o traço do seu passo
vem outra, que é não loura e que é pequena...
no traço do seu passo me embaraço...


Pequena... mas é linda e é morena,
vem como um terno laço a que me abraço,
como Cristo abraçou a Madalena!...

Matos Serra

APETITE

SONETO DE AMOR E SENSUALIDADE
EM HONRA DE EROS

Tão bela e natural como um fruto,
exala um aroma de maçã,
com o seu ar liberto e resoluto
é como um raio de sol na manhã;


sua voz, violino, que eu escuto,
como a nota mais livre, solta e sã...
Óh... se eu pudesse entrar no seu reduto
tornava a sua alma minha irmã!...

Deusa Circe com ombros de Sereia!
Anjo, Joana D'Arc ou Afrodite,
Lucrécia, Catarina ou Dulcineia...

Imagem com perfil de Anfitrite
num secreto mistério de Medeia...
Meu Deus!... Não é um fruto... é apetite!...


Matos Serra

TÍTULO: SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO

SONETO DE AMOR E SENSUALIDADE
ERÓTICO MAS NÃO TROPO

Sai das ondas num barco de cristal,
vem timonando sobre as águas, nua!
Aporta à praia e junto ao areal,
qual deusa dos mares, que se insinua...

voga esbelta, divina e irreal,
numa concha dourada que flutua...
É uma Circe loura e sensual,
suave, alvinitente como a lua!...


O seio desnudo, túmido, fremente...
agita o meu sonho e o meu fervor,
vogamos em delírio pelos espaços!...


Que este sonho durasse eternamente...
que, assim... prendê-la-ia por amor,
indefinidamente nos meus braços!...


Matos Serra

A FUGA DO CARACOL

O poema que se segue tem a ver com o aproveitamento de um mote que é uma quadra do cancioneiro oral da poesia popular alentejana em que me propus, como é peculiar da nossa genuína cultura, brincar um pouco com as nossas situações, até mesmo com as malidecências que aqueles que não conhecem a nossa cultura ou a menosprezam, costumam utilizar para brincarem com o nosso Brinco, desejando a esses que ele lhe faça bom proveito.
Aí vai a quadra e as estâncias de doze versos a glosarem-na. Riam um pouco e va qua provete.

MOTE
Eu venho lá não sei d'onde
à cata não sei de quem,
brado, ninguém me responde,
olho, não vejo ninguém.

Perseguindo um caracol,
na planura alentejana,
que me fugiu ao controle
há cerca de uma semana.
Na esteira do bichinho
que se esgueira pelo pasto,
na lonjura do caminho,
às vezes, perco-lhe o rasto.
É veloz, esse magano...
que, ora foge, ora se esconde,
no meu passo alentejano
eu venho lá não sei d'onde.

Estou a chegar alquebrado,
pelo esforço da passada,
a perseguir o malvado
que me fugiu da manada.
Ando a pastar caracois,
uma vida afadigada...
como me fugiram dois
eu segui-lhe a peugada.
Só sei que se algo não muda
isto, assim, não me convem,
tenho que pedir ajuda
à cata não sei de quem.

Apanhei um fugitivo,
mas tive que me esforçar...
por este mesmo motivo
foi preciso descansar.
A soneca terminou,
fui perseguir o segundo,
que, entretanto, se esgueirou
tão lesto como um bailundo. (A)
O rebanho tresmalhado,
para que ele se arredonde
preciso ser ajudado
brado, ninguem me responde.

Vou dormir outra soneca,
só depois vou procurá-lo,
que, ele, é levado da breca
e corre como um cavalo.
Para seguir na minha ação
preciso de algum alento...
e vou descansar, se não...
'inda tenho um esgotamento.
Alquebrado e aturdido
não consigo ir mais além,
preciso ser socorrido...
olho, não vejo ninguem.

(A) Bailundo - indididuo pertencente a um povo com essa mesma designação
que habita o planalto de Benguela/Bié em Angola. Este povo de pastores do
planalto são grandes andarilhos, que percorrem, lestos, grandes distâncias,
habituados que estão às enormes extensões. É, por outro lado, um povo sim-
pático e acolhedor com o qual convivi muito. Esta referência é, tam-
bém, uma invocação que faço a esse povo maravilhoso do país irmão que é
Angola.

Matos Serra