APRESENTAÇÃO AOS JOGOS FLORAIS DE OUTONO, EM MONFORTE - 23-11-2013
MODALIDADE: TRATAMENTO DO ADÁGIO POPULAR - "Faz bem, sem olhar a quem
EXPLICAÇÃO SOBRE O PROCESSO CRIATIVO DO POEMA
Para escrever o meu poema, dado o aspeto sui-géneres da temática, tentei faze-lo com alguma graça e não menos sentido crítico, em termos de poesia "social e política". Lembrei-me, então, das grandes fomes nos tempos do fascismo e eu, aí a meio dos anos quarenta, do século passado, com seis/sete anos de idade, já me aperceber que andavam de mãos dadas a grande pobreza e a atitude providencialista da vida, embora, talvez... nessa altura, não as definisse tão bem nem com o mesmo sentido crítico. Mas me lembro, muito bem, que os ricos que viviam à grande cá na terra, ainda tentavam comprar um bom lugar no céu à custa da miséria dos pobres.
O padre da minha terra tinha, sempre, em seu poder, uma dilatada lista de pobres para, quando falecia algum ricaço, os familiares mandarem rezar a missa, com casa cheia, ao preço da uva mijona... digamos que havia sempre efetivo suficiente para a missa ter muitos fieis e figurantes capazes de fazer ouvir as suas preces, por via eclesial, até ao reino de Deus. Havia sempre pobres que chegassem... digamos que a oferta de pobres era sempre superior á procura. Tendo em conta essa realidade e sua analogia com a situação atual... eu, organizei o meu poema recorrendo ao género dramático e ao estilo vicentino e saiu a peça que segue. Pelo facto acabei por ficar muito grato á memória de Mestre Gil.
TÍTULO: CONTO DA D. FARTURA E DO PADRE TADEU
NARRADOR: Andava a D. Fartura
a tentar ganhar o céu...
vai daí, foi à procura
do senhor Padre Tadeu.
D. FARTURA: Ouça cá, ó Senhor Cura...
eu quero fazer o bem.
PADRE TADEU: Fazer o bem assegura
um bom lugar no Além...
D. FARTURA: Então devo começar
já no domingo que vem
a distribuir esmola aos pobres...
PADRE TADEU: E, eu, irei anunciar,
sem que me falte ninguém,
exceto ricos e nobres
que, aqui, não devem contar,
venha pronta para rezar
e traga a bolsa dos cobres.
E não terá que gastar
muita da sua riqueza...
que, mesmo sem se alargar,
os pobres não vão faltar
que o que não falta é pobreza...
Por isso, com uns tostões
por cabeça, o povo inteiro
vem creditar orações...
Não gasta muito dinheiro...
que, eu, ofereço-lhe os sermões.
D. FARTURA: Eu quero, enquanto cá ande,
a vida eterna ganhar
com bom lugar no Além...
Cá, em baixo, vivo à grande,
e quero fazer o bem,
para isso... não olho a quem.
PADRE TADEU: Vamos cá a ver então
qual a melhor decisão
que garanta a cem por cento
uma boa solução...
D. FARTURA: Ponha o povo em oração
que eu garanto o orçamento...
e, não quero ser injusta,
ganhar o céu à sua custa
e com pouco investimento...
Tem o meu consentimento!
~PADRE TADEU: Eu faço seja o que for
p'ra tratar dos seus assuntos...
Entregue-se ao criador,
não vá desta p'ra melhor
sem me arranjar dois presuntos,
que, eu... garanto-lhe à prior,
um lugar acolhedor
junta aos sagrados defuntos.
Matos Serra,in Poesia Social e Política
(Este poema foi apresentado, nos Jogos Florais de outono, em Monforte, sob o pseudónimo - Inácio)