sábado, 4 de agosto de 2012

FINGIR OUSADIA

COMENTÁRIO AO ADÁGIO - " QUEM TEM MEDO COMPRA UM CÃO"

TÍTULO: FINFIR OUSADIA

Esta frase que se inscreve
na cultura popular
e se aceita como adágio,
eu não sei se ela se deve
de ânimo leve aceitar
sem escrutínio nem sufrágio.

E não sei se faz sentido
uma tal aquisição,
e se o medo referido
é entendido ou se não...
porque não é solução.
Os medos são muitos mil,
e dever-se-ia então
em vez de comprar um cão
era comprar um canil.

Quem a frase pronuncia
criticando o medo alheio...
por certo que se alivia
quando ao seu chama receio.

Para nós não é segredo
que ter medo de ter medo
circunscreve um medo crasso...
quando ao finfir-se ousadia
o nosso é simples fobia
e o dos outros é cagaço.

O medo é um sentimento
a não ser menosprezado,
quando se diz: "Guarda a vinha"
é porque em dado momento
reforça o tino e o tento,
a atenção e o cuidado,
na defesa da vidinha.

E... sabe bem que é assim
quem dele fez companheiro
numa vida agreste e dura,
até conseguir, por fim,
estar com ele a tempo inteiro
que o medo não se esconjura.

Porque o medo é, afinal,
próprio de qualquer mortal...
também de nós, seres humanos.
Cá por mim o que é preciso
é guardar sempre um sorriso
para o medo não causar danos.

E QUEM USAR A RAZÃO...
NÃO PRECISA COMPRAR CÃO.

Matos Serra, in comentário aos adágios

QUANDO A VERDADE NOS MENTE

TEMA: TRATAMENTO DO ADÁGIO POPULAR - "QUEM CANTA, O SEU MAL ESPANTA.

QUANDO A VERDADE NOS MENTE

Quem canta, às vezes, coitado...
a fingir que anda contente
sentindo-se contristado...
finge mal o que não sente,
com a verdade nos mente
tendo a tristeza presente
no cantar desafinado.

Nessa linguagem que canta
vemos a alma que chora...
A alma, trai a garganta,
porque... vemos muito embora
na voz que a verdade espanta
a fingir de ave canora...
a alma que se quebranta.

QUEM CANTA, SEU MAL ESPANTA.
Até pode ser verdade...
mas, quando a tristeza é tanta...
o cantar não persuade.
Creio, até, que desencanta,
essa tristeza que invade
a quem ouve... e a quem canta.

Matos Serra, in comentários aos adágios

CRONOS É UM DEUS IMPLACÁVEL

TEMA: COMENTÁRIO AO ADÁGIO POPULAR "O TEMPO QUE VAI NÃO VOLTA"

Por mais que a Cronos me roje
a pedir que não se mexa,
que me deixe estar aqui
neste bem-bom que é a vida...
Vai-se o ontem, vem o hoje
e Cronos sempre me deixa
e nem apenas sorri
na hora da despedida.

Ele vai, vem a idade
que sempre me causa medo
por poder trazer doença...
"trazer dores, decrepitude..."
e, eu, não fico à-vontade
por saber que tarde ou cedo
nunca vai haver quem vença
a que nos leva a saúde.

A que se chama velhice,
ou idade, ou duração...
cada um diz como quer,
não precisa dicionário...
a que nos traz a chatice
de colar os pés ao chão
e faça o que se fizer
passa o corpo a ser calvário.

Cronos vai e já não volta,
volta outro deus mais novo
com igual comportamento,
que tem o mesmo apelido...
O que depois nos revolta...
é que, como diz o povo,
é sempre um cavalo - o tempo
que nos deixa envelhecido.

Que haverei eu de fazer
para vencer a sucessão
de dias que vão surgindo?
Que cada qual me ajude?
Que cada um que vier
traga alguma animação
e que me deixem ir indo
com sorte, vida e saúde?

Vou tornar-me indiferente
a esta cronologia
que controla o meu destino,
e vou, sem fazer alarde,
a tentar alegremente
recorrer à poesia
e pedir... com muito tino
à morte que venha tarde.

Matos Serra, in comentários aos adágios.