domingo, 13 de novembro de 2011

A FUGA DO CARACOL

O poema que se segue tem a ver com o aproveitamento de um mote que é uma quadra do cancioneiro oral da poesia popular alentejana em que me propus, como é peculiar da nossa genuína cultura, brincar um pouco com as nossas situações, até mesmo com as malidecências que aqueles que não conhecem a nossa cultura ou a menosprezam, costumam utilizar para brincarem com o nosso Brinco, desejando a esses que ele lhe faça bom proveito.
Aí vai a quadra e as estâncias de doze versos a glosarem-na. Riam um pouco e va qua provete.

MOTE
Eu venho lá não sei d'onde
à cata não sei de quem,
brado, ninguém me responde,
olho, não vejo ninguém.

Perseguindo um caracol,
na planura alentejana,
que me fugiu ao controle
há cerca de uma semana.
Na esteira do bichinho
que se esgueira pelo pasto,
na lonjura do caminho,
às vezes, perco-lhe o rasto.
É veloz, esse magano...
que, ora foge, ora se esconde,
no meu passo alentejano
eu venho lá não sei d'onde.

Estou a chegar alquebrado,
pelo esforço da passada,
a perseguir o malvado
que me fugiu da manada.
Ando a pastar caracois,
uma vida afadigada...
como me fugiram dois
eu segui-lhe a peugada.
Só sei que se algo não muda
isto, assim, não me convem,
tenho que pedir ajuda
à cata não sei de quem.

Apanhei um fugitivo,
mas tive que me esforçar...
por este mesmo motivo
foi preciso descansar.
A soneca terminou,
fui perseguir o segundo,
que, entretanto, se esgueirou
tão lesto como um bailundo. (A)
O rebanho tresmalhado,
para que ele se arredonde
preciso ser ajudado
brado, ninguem me responde.

Vou dormir outra soneca,
só depois vou procurá-lo,
que, ele, é levado da breca
e corre como um cavalo.
Para seguir na minha ação
preciso de algum alento...
e vou descansar, se não...
'inda tenho um esgotamento.
Alquebrado e aturdido
não consigo ir mais além,
preciso ser socorrido...
olho, não vejo ninguem.

(A) Bailundo - indididuo pertencente a um povo com essa mesma designação
que habita o planalto de Benguela/Bié em Angola. Este povo de pastores do
planalto são grandes andarilhos, que percorrem, lestos, grandes distâncias,
habituados que estão às enormes extensões. É, por outro lado, um povo sim-
pático e acolhedor com o qual convivi muito. Esta referência é, tam-
bém, uma invocação que faço a esse povo maravilhoso do país irmão que é
Angola.

Matos Serra

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